São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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A USP e o "provão" do MEC

FLÁVIO FAVA DE MORAES; CARLOS ALBERTO B. DANTAS

A USP não se eximiu de trazer a público suas críticas e sugestões, para que esse exame nacional não seja inócuo
FLÁVIO FAVA DE MORAES e CARLOS ALBERTO B. DANTAS
Críticos menos avisados alardearam que a USP não participaria dos exames nacionais estabelecidos pela lei 9.131 de 29/11/95 para os cursos de engenharia civil, administração e direito que serão realizados no dia 10/11/96.
Desde a edição das medidas provisórias que propunham a realização do exame nacional, a USP vem realizando um amplo debate em suas várias esferas de competência, inclusive com representantes do Ministério da Educação e do Desporto. A USP reconhece ser indispensável o estabelecimento de um processo de avaliação dos cursos de graduação que contemple a avaliação da qualidade de seus professores, da ambiência e infra-estrutura das salas de aulas e laboratórios didáticos, da qualidade da biblioteca da instituição e da capacidade dos funcionários de apoio, bem como das estruturas curriculares, o que compreende avaliar conteúdos, aspectos de treinamentos e estágios programados. Consta do texto do artigo 3º da lei 9.131 e das portarias subsequentes do MEC que o exame nacional é apenas um dentre o conjunto de procedimentos a serem utilizados para avaliar os cursos de graduação. Esse processo global, contudo, nunca foi delineado, não sendo apresentada nenhuma ligação orgânica entre as medidas de avaliação. Essa articulação é evidentemente fundamental para a incorporação de práticas de avaliação que estão sendo utilizadas em várias universidades brasileiras, estimuladas até mesmo pelo programa Paiub criado pelo MEC.
Na USP já existem dois processos de avaliação, um de avaliação departamental consolidado por meio da avaliação de mais de uma centena de seus departamentos, e outro de avaliação dos cursos de graduação, que já possui relevantes indicadores da situação desses cursos. Neste ano, já se realizou um projeto piloto de avaliação dos professores por meio de questionários respondidos pelos alunos. Estudos para tornar essa avaliação mais abrangente vêm sendo desenvolvidos, incorporando auto-avaliação e avaliação pelos pares.
Além disso, a USP dispõe de pesquisas que traçam não só o perfil dos egressos de vários cursos como também apresentam uma avaliação dos cursos por eles realizados. Os resultados já obtidos subsidiam a formulação de um modelo global para avaliação dos cursos de graduação.
A avaliação dos cursos, conforme proposta pelo MEC, será feita por meio de uma só prova aplicada aos alunos do último ano dos cursos, com duração máxima de quatro horas. Os objetivos do exame, o perfil desejado para os graduandos, o conjunto de habilidades e aptidões a ser avaliado, o conteúdo das provas e o formato final das mesmas em cada caso foram definidos por comissões de curso, compostas por professores de várias universidades, convocadas pelo MEC.
Não obstante a qualificação dos docentes dessas comissões, elas idealizaram um perfil de estudante a ser examinado, que não reflete o estudante que frequenta nossas heterogêneas universidades. Suas exigências de formação não correspondem àquelas constantes das estruturas curriculares dos cursos em que os estudantes ingressaram. Essa é, a nosso ver, uma das falhas graves do exame nacional.
Outra contradição decorre do propósito de o exame ser nacional, mas aplicado aos alunos do último ano. Seria natural que, sendo nacional, se baseasse no currículo mínimo. No último ano os alunos estão matriculados em matérias profissionalizantes e fazendo estágio. A preparação do estudante para o exame se dará em detrimento de sua dedicação ao curso. Teme-se que essa situação propicie a formação de "cursões" preparatórios para o exame, ou mesmo que algumas escolas, com nível abaixo do desejável, transformem seus cursos nesses "cursões" preparatórios, desfigurando os propósitos do exame.
A USP, apesar de contar com pareceres dos ilustres juristas professores Álvaro Villaça Azevedo e Ada Pellegrini Grinover sustentando a inconstitucionalidade do exame nacional para as universidades públicas, optou, fazendo uso de sua autonomia, por recomendar a seus estudantes que se submetam a ele. Não se eximiu, entretanto, de trazer a público suas críticas e sugestões, para que esse exame não seja inócuo, mas um instrumento que, junto com outras medidas, permita a efetiva avaliação dos cursos de graduação do país, protegendo os estudantes, vítimas daqueles cursos que não oferecem condições mínimas de funcionamento.

Flávio Fava de Moraes, 58, é professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas e reitor da USP (Universidade de São Paulo).

Carlos Alberto Barbosa Dantas, 60, é professor titular do Instituto de Matemática e Estatística e pró-reitor de graduação da USP.

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