São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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Uma nova política penitenciária

JOÃO BENEDICTO DE AZEVEDO MARQUES

A dramática situação das prisões, com superlotação, violência e corrupção, não é privilégio do Brasil, tratando-se de um fenômeno universal.
Assim é que a Organização das Nações Unidas, na Conferência do Cairo, em 1995, constatou esse gravíssimo problema e apontou no sentido de destinar as prisões, exclusivamente, para os perigosos, adotando-se outro tipo de punição para aqueles que não representem risco à sociedade, como as penas de multa, de prestação de serviços à comunidade, limitação de fins-de-semana, dentre outras.
O Japão é um dos países com os mais baixos índices de criminalidade do mundo. No entanto, os crimes existem e são punidos, mas apenas 5,9% recebem sentença de prisão. Muitas vezes, para um japonês, criado em uma cultura que inventou o haraquiri, perder a face é mais grave que perder a liberdade. Por isso, a pena alternativa de admoestação pública é considerada severíssima.
No Brasil, ao longo de sua história, a pena de prisão preponderou, e hoje, infelizmente, a situação é de extrema gravidade, com superpovoamento, deficiência de assistência médica e judiciária, de trabalho, e morosidade da Justiça Penal.
A população carcerária atual ultrapassa 130 mil presos, para pouco mais de 60 mil vagas, e existem 250 mil mandados de prisão a serem cumpridos.
Esse triste quadro obriga a investir na área prisional, mas só construir presídios não resolverá o problema, cujo deslinde passa preferencialmente pelos recursos dirigidos a educação, saúde, habitação, justa distribuição da renda e saneamento básico, os melhores antídotos na prevenção da criminalidade.
Mas é necessário também direcionar investimentos para situações críticas do sistema prisional, em especial nas grandes prisões, ingovernáveis e inadministráveis, e que desrespeitam as recomendações internacionais de 600 presos, no máximo, por estabelecimento.
Por outra parte, como já sugere o Evangelho, urge separar o joio do trigo. Ou seja, o criminoso primário não pode conviver com o reincidente; o perigoso, com quem não oferece maiores riscos ao seu próximo, oferecendo-se a todos oportunidade de trabalho, educação e capacitação profissional e assegurando-lhes o retorno à liberdade como cidadãos úteis, pois um bom sistema penitenciário é fator de segurança da sociedade.
Finalmente, é fundamental o envolvimento da comunidade, por meio de suas lideranças, dos empresários, dos trabalhadores e das igrejas. E o instrumento legal para que isso ocorra são os Conselhos da Comunidade, ainda pouco utilizados e que em muito poderão aperfeiçoar o sistema carcerário brasileiro.
Neste momento de recrudescimento da criminalidade violenta, de aumento do crime organizado e do narcotráfico, é importante não perder a razão e não pensar que a violência do crime deve ser respondida com a violência do Estado, em círculo vicioso que sacrifica vidas humanas.
O melhor caminho é o reconhecimento das nossas terríveis desigualdades sociais, o fim da impunidade, a presença permanente da polícia nas ruas, uma Justiça célere e uma discussão racional sobre a melhor forma de controle da criminalidade, por meio de um debate democrático com toda a sociedade brasileira.
Em São Paulo, o governo do Estado tem pautado sua conduta por uma ação disciplinadora, mas recusando-se terminantemente a empregar a violência, resolvendo as situações de conflito com negociações, sem nunca abrir mão da autoridade nem da punição dos transgressores.
A nova política penitenciária, paralelamente à construção de nove unidades prisionais, almeja desativar todo o complexo do Carandiru, começando pela Casa de Detenção, palco de tragédias e que contraria a lógica, o bom senso e as normas técnicas internacionais. A par disso, o Estado está construindo estabelecimentos semi-abertos com a mão-de-obra de preso, estimulando ao máximo a participação da comunidade e do empresariado, mercê de convênios com a Fiesp, e procurando enfatizar a importância e a relevância da formação e capacitação do pessoal penitenciário.
Os frutos virão se conservarmos a razão na abordagem desse complexo problema e mantivermos íntegros os fundamentos últimos dessa nova política: segurança da sociedade e respeito incondicional à pessoa humana.

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