São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996 |
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Estado-espetáculo
WALTER CENEVIVA
No Estado-espetáculo prevalecem a imagem sobre a palavra, a postura sobre o programa, a qualidade da exibição sobre a idéia, a arte de parecer sobre a arte de fazer. O "espetáculo" em si não é novidade, mas antes tinha hora e lugar. Hoje a mentira confundida com a realidade é constante. O período eleitoral, que estamos vivendo, amplia o espetáculo em detrimento da ação. Produz mais miragens, sempre diferentes dos oásis que elas sugerem. Neste estágio da vida você não decide: o Espetáculo decide. Foi em Bernard-Henri Lévy ("La Pureté Dangereuse", Éditions Grasset & Franquelle, 304 páginas) que colhi inspiração para essas notas. O império nas novas regras do espetáculo tem efeitos sobre a conduta da administração e dos administradores. No passado, quando a comunicação total e instantânea (mas distante do contato pessoal) era impossível, o político mostrava paciência e perseverança ao lidar com o destino da cidadania, olhos no presente, projetados no futuro. Hoje vive o tempo da imediatidade. Lévy sugere um "slogan" para nossa época: "Tudo o que é real é visível, todo o que é visível é o próprio real". Princípios essenciais como os da igualdade de todos perante a lei e de garantia de assistência jurídica para todos, passam a ser até mais falsos do que a miragem. É preciso cautela. Esta época de violência abre campo para o apelo ao homem forte. Mesmo a fala necessária contra a corrupção pode, no Estado-farsa (um agravamento do Estado-espetáculo) resultar em reclamações por algum moderno Hércules, que limpe as estrebarias democráticas do novo Augias. Cria-se um clima de censura, de ordem moral, ao qual a mídia adere com entusiasmo acrítico, sem ver que as estrebarias, não são limpas. Apenas o esterco é trocado. Nossa democracia sofre distorções que a submetem ao risco de corroerem os princípios fundamentais definidos nos primeiros artigos da Constituição. No movimento dos sem-terra, por exemplo, a previsão das explosões de ódio é viável a prazo relativamente breve. Também viável é pensar, em cidades como São Paulo e o Rio, na multiplicação dos pobres e dos miseráveis, prontos para a revolta coletiva, contraposta à reação dos afortunados e, por isso, temerosos, até ao nível do irracional. Nas periferias já é normal a provisoriedade de estar vivo, ante a "normalidade" da chacina. Nos bairros chiques já é normal o auto-aprisionamento dos assustados. Mas não exageremos. Reconhecidos os defeitos das instituições, do direito e das leis, que preservam o "status quo" e retardam o rompimento das desigualdades, tratemos de corrigi-los. As leis, cada vez mais numerosas e mais confusas, criadas por representantes do povo cujos interesses nem sempre coincidem com os dos representados, devem concentrar a fiscalização dos juristas, fugindo do espetáculo e da farsa. A convocação dos preocupados com o futuro não pode se limitar aos juristas. Depois de longos anos de inflação galopante, de concentração das riquezas, de miserabilização do povo estamos muito próximos de chegar à praia da recomposição dos equilíbrios rompidos. Será irreparável a perda se fracassarmos neste momento. Vale a pena pensar. Texto Anterior: Nova lei da doméstica Próximo Texto: Cirurgiã se exime de responsabilidade Índice |
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