São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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Conheça o histórico de violência da ex-colônia portuguesa

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em recente entrevista, o linguista Noam Chomsky nota que o genocídio cometido pela Indonésia no Timor Leste passa quase despercebido da mídia, porque não se enquadra nos critérios de percepção herdados da Guerra Fria.
O saldo da violência cometida desde 1975 sobre o conjunto de uma população é dos mais mortíferos. Teriam morrido por execução, falta deliberada de assistência médica ou pela fome entre 250 mil e 300 mil dos estimados 808 mil habitantes da ex-colônia.
A Indonésia é um arquipélago com 13.600 ilhas, 185 milhões de habitantes e uma das maiores diversidades étnicas e linguísticas do mundo. Suas 300 etnias falam mais de 500 idiomas.
É também um dos países mais visados pela Anistia Internacional. Em nome da necessidade de unificação política, o general Suharto teria ordenado a morte de meio milhão de opositores, em 1967, na operação que o levou ao poder.
A invasão do Timor Leste, em dezembro de 1975, ocorreu como tentativa de unificar sob a mesma bandeira "nacionalista" um regime que atravessava sua primeira grande crise interna.
Os resultados das eleições convocadas dois anos antes eram amplamente contestados. Um escândalo sobre o desvio de recursos numa concessão petrolífera afastava de Suharto uma parcela das elites que o apoiaram como um mal menor, como o opositor ao regime esquerdista de Sukarno.
Ao mesmo tempo, de uma coalizão política, o poder se transferia oficiosamente para as mãos do Kopkamtib, grupo de militares embebidos na doutrina da segurança nacional.
Com a Revolução dos Cravos em Lisboa (1974), que pôs fim ao salazarismo e ao mito de um império português, a população de Timor Leste se tornou indefesa. Suharto anexou seu território, sem maiores reações internacionais.
O Timor -ou Loro Sae, na designação local- é uma área de quase 40 mil km 2, colonizada pelos portugueses a partir de 1586.
Ela foi dividida com a Holanda, antiga potência local, numa porção que passou à Indonésia, com a independência, em 1949.
O Timor Leste, com 14,8 mil km 2, já havia enfrentado os portugueses em 1912. A repressão ao movimento comandado por um monarca nativo, d. Boaventura, provocou alguns milhares de mortos.
Em 1974, três partidos se organizaram: um queria a manutenção de vínculos com Portugal, outro queria a anexação à Indonésia, e um terceiro, a Fretilin (Frente Revolucionária do Timor Leste Independente) -que acaba se fortalecendo- desejava a criação de um Estado autônomo.
Os pró-lusitanos tentam tomar o poder. A Fretilin, apoiada pelos soviéticos, resiste. Morrem 3.000 pessoas neste primeiro confronto.
Suharto teme que o Timor se transforme numa ponte de acesso comunista ao arquipélago.
A Fretilin se torna um grupo guerrilheiro, apoiado por pequenos agricultores das regiões centrais. Para reduzir sua mobilidade operacional, a Indonésia bombardeia os territórios "liberados" com desfolhantes.
A fome e epidemias se apoderam do território. Entre 1979 e 1983, morreram cerca de 250 mil civis. Um cessar-fogo, negociado em 1989, dura apenas meses.
Em 1991, o Exército indonésio atira e mata 270 pessoas durante manifestação pró-independência. José Xanana Gusmão, líder independentista, sucessor de Nicolas Lobato (assassinado em 1979) é condenado a 20 anos de prisão.
A igreja se fortalece após a passagem de João Paulo 2º pela região. Utilizar a língua portuguesa continua a ser, para os timorenses, um ato de resistência, para desafiar o projeto de unificação cultural e política do regime de Suharto.

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