São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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"Junior quis ir embora", diz mãe do compositor

Maria do Carmo afirma que filho morreu de anorexia

DANIEL CASTRO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A mãe de Renato Russo, Maria do Carmo Manfredini, disse ontem de manhã, depois da missa de corpo presente de seu filho, que ele "quis chegar ao fim". "Não se suicidou, mas não lutou", afirmou.
Apesar de o médico do músico, o clínico-geral Saul Bteshe, ter afirmado anteontem que Russo morreu em consequência de Aids, Maria do Carmo disse que foi anorexia nervosa (doença que causa perda do apetite) a causa da morte.
Bteshe, que assinou o atestado de óbito de Russo, disse que Russo tinha o vírus HIV há seis anos.
A seguir, trechos da entrevista, concedida no cemitério São Francisco Xavier, onde o corpo de Russo foi cremado ontem.
*
Folha - Como Renato estava nos últimos dias?
Maria do Carmo Manfredini - Ele teve um período muito grande de depressão. Realmente não queria mais viver. Sabe, ele foi se entregando. Ele achava que não tinha mais nada...
Folha - Ele já não comia?
Maria do Carmo - Ele ficou num estado de prostração profunda, deu uma tristeza muito grande nele. Apesar de dizerem o que estão falando por aí, ele estava mesmo era com anorexia nervosa. Essa foi a doença que levou meu filho. Estão dizendo que é Aids.
Folha - Ele não estava com Aids?
Maria do Carmo - Não. Ele estava com anorexia nervosa. Ele devolvia o que comia. Ele estava numa angústia muito grande.
Folha - Ele dizia para a sra. por que estava muito deprimido?
Maria do Carmo - Não dizia porque depressão não tem uma causa, não é só físico. A gente dizia: "Filho, você tem tudo. Tem uma família que te adora, tem sucesso, seu filho adora você". Não tinha uma razão, a não ser a parte psicológica dele, que realmente não funcionou.
Folha - Ele não gostava do sucesso?
Maria do Carmo - No íntimo ele gostava, mas era uma pessoa extremamente introvertida. O Júnior não era uma pessoa pra fora.
Folha - Há quanto tempo ele estava nessa crise?
Maria do Carmo - Desde o começo do ano.
Folha - Mas ele gravou um disco...
Maria do Carmo - O nome "A Tempestade ou o Livro dos Dias" (último disco da banda, lançado em setembro) foi escolhido justamente por causa disso, porque havia uma tempestade dentro dele. O dever profissional dele era muito forte. Ele me disse que queria deixar esse disco porque não sabia se faria outro.
Folha - Ele deixou músicas inéditas?
Maria do Carmo - Muita coisa. Eles iriam fazer um álbum ("A Tempestade") duplo. Quando ele sentava, escrevia três ou quatro músicas por manhã.
Folha - O Renato foi feliz em algum momento da vida dele?
Maria do Carmo - Ele nunca foi feliz, só quando era criança. Porque ele carregava o mundo nas costas. Acontecia uma guerra e o Júnior se desmontava. Ele se abalava com tudo.
Folha - Ele sentia que estava chegando ao fim?
Maria do Carmo - Ele quis chegar ao fim. Ele não se suicidou, mas simplesmente não lutou. Ele me falou que queria ir embora, que aqui não era o lugar dele.

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