São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Agricultura, vítima dos ventríloquos

ALOYSIO BIONDI

Os agricultores brasileiros, pequenos, médios ou grandes, estão órfãos. Há desespero no interior com a falta de crédito para plantar -e pânico diante da informação oficial de que o governo não vai comprar as colheitas, pagando o preço mínimo destinado a evitar prejuízos ao produtor.
O massacre da agricultura, no entanto, não mobiliza a opinião pública, porque mal chega ao seu conhecimento. O clima de desalento no interior não "virou notícia". Opostamente, a defesa do massacre e as explicações oficiais ganham páginas inteiras e manchetes.
Pior: essa defesa não é feita apenas pela equipe econômica. Num estranho espetáculo de ventriloquismo, o próprio ministro da Agricultura, Arlindo Porto, está negando a realidade, ao prever grande safra graças à "oportunidade antecipada de crédito" para plantar -além de defender a estratégia da equipe, de "estimular o agricultor a atuar com mais independência, voltado para o mercado". Posição defendida, ainda, por líderes rurais como Luís Haffers, presidente da Sociedade Rural Brasileira, para quem "muitos produtores estão pensando na era do preço mínimo e produção subsidiada".
A agricultura está sendo jogada na orfandade até pelo "seu ministro", e por algumas lideranças, contagiados por uma "ventriloquite aguda". A realidade é desagradável. Mas é urgente que os agricultores a encarem, para buscarem outros canais de comunicação, para serem ouvidos pela sociedade e pelo presidente da República.
Dinossauros, lá
O raciocínio embutido nas frases dos srs. Porto e Haffers repete os argumentos da equipe econômica: chegou o neoliberalismo, os produtores devem produzir sem subsídios e garantias de preços, sem o apoio do Estado, deixando-se que o mercado determine quem sobreviverá.
Defender que haja mudanças gradativas, acompanhadas de políticas de apoio que evitem a destruição da agricultura nacional, é ser "arcaico", "dinossauro". É o que dizem os decorebas brasileiros da cartilha neoliberal. Ora, então o presidente Clinton, os governantes e congressistas dos países ricos são "dinossauros". Por quê? Esses países ricos, há décadas, vêm gastando algo como US$ 150 bilhões (por ano) para subsidiar sua agricultura -ela, sim, em muitos casos sustentada de forma totalmente artificial pelo Estado.
Tanto a Europa quanto os EUA vêm, efetivamente, modificando essa política. Mas, não, deixando o produtor na orfandade. Nos EUA, ainda na semana passada, o Congresso aprovou novas modificações na política de concessão de subsídios à agricultura. Atenção: a redução será gradativa, ao longo de nada menos de sete anos. Outras diferenças em relação ao Brasil: as mudanças estão sendo debatidas pelo Congresso, que deve aprová-las (lá não existem as ditatoriais "medidas provisórias", né?).
Mais aberração A equipe econômica nega crédito para o produtor. Mas vai liberar empréstimos para "atravessadores" e grandes grupos comprarem as colheitas, isto é, com dinheiro do governo nas mãos, imporem os preços que quiserem aos produtores.
Como assim? Desde o ano passado, a equipe FHC/BNDES ressuscitou a política de "ampliar" o crédito rural, isto é, permitir que o dinheiro para empréstimos ao produtor seja entregue também às industrias alimentícias e empresas beneficiadoras (e empacotadoras) de produtos agrícolas.
Essa política havia sido suspensa há muitos anos, porque provocou, no passado, aberrações terríveis: grandes grupos (inclusive redes de supermercados) abocanharam quase todo o crédito dito "rural". E pagaram preços ruinosos ao produtor.

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