São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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O criticável no Real

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O Plano Real é exitoso no combate à inflação por razões conhecidas: esforço prévio de controle fiscal, acúmulo de reservas, mecanismos de superação da inflação inercial, uso da âncora cambial e uma política monetária forte.
Teve duas novidades: a fase de preparação da nova moeda, quando preços e salários foram convertidos em URV, e o fato de ter sido posto em prática ao final de um governo que se dizia fraco (logo, nem o governo era tão fraco, nem o então presidente era tão confuso, como muitos da equipe econômica faziam crer).
Mas, passados dois anos, o plano deixa a desejar no tocante à promoção do crescimento, na política de juros elevados, que implica transferir uma parte acima do razoável do montante arrecadado com impostos para o pagamento dos serviços da dívida, a própria falta de um enfoque para dar um equacionamento aceitável a essa dívida e a punição das exportações.
Concordo com algo que João Sayad escreveu nesta Folha: "O criticável (no Real) é não aproveitar a paz inflacionária para atenuar os efeitos desastrosos dessa quadra da história". Exemplo do que poderia ser feito, segundo penso: política industrial com ênfase na criação de empregos, investimentos em infra-estrutura, reforma agrária etc.
Infelizmente, as políticas oficiais estão pautadas pelo pensamento de Gustavo Franco, de que o mercado resolve tudo: do crescimento à distribuição da renda. Mas hoje somente quem é muito crédulo pensa assim.
Menciono, a esse respeito, três artigos recentes, publicados na revista "Research Observer" do Banco Mundial (agosto), sobre as lições do "milagre do leste da Ásia". Dois deles são de Joseph Stiglitz, economista-chefe do comitê de Conselheiros Econômicos do governo Clinton.
Stiglitz ressalta o caráter integrado das políticas públicas: "O sucesso do Leste Asiático baseou-se em uma combinação de fatores: taxa de poupança elevada, acumulação de capital humano (educação) e ambiente econômico estável orientado ao mercado, mas com intervenção governamental ativa, propícia à incorporação de tecnologias novas".
Outro estudo, de Dimitri Vittas e Yoon Je Cho, analisa os fatores que explicam o sucesso da promoção ao desenvolvimento no Japão e na Coréia. Nesses dois casos, programas de crédito orientados por políticas públicas foram fundamentais. Nada parecido com o Brasil de hoje.

Álvaro Antônio Zini Júnior, 43, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP. Atualmente é professor-visitante junto à Universidade de Roma.

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