São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Furo tributário

OSIRIS LOPES FILHO

São comuns entre os contribuintes que se aventuram a consultar a legislação tributária, sem o preparo técnico, psíquico e físico necessário, reclamações contra seu volume e complexidade.
Conspira contra a simplicidade e racionalidade da legislação tributária a velocidade com que se modificam as leis, mas o cerne da questão está na produção de portarias, instruções normativas e pareceres, sem muito respeito à lei e à Constituição. Geraldo Ataliba assinalava criticamente que, na concepção do Executivo, no cume da pirâmide da hierarquia das leis estava a portaria ou instrução.
Há uma instrução normativa nº 31, editada pela Receita Federal, em 22.05.96, que vai fazendo a felicidade de alguns controladores de empresa, premidos pela necessidade de venderem suas ações ou cotas para terceiros.
Normalmente, há incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital apurado nessas vendas, à alíquota de 15%.
Referida instrução previu, em face da disciplinação confusa da lei nº 7.713/88, um caminho elíptico para a alienação do controle de empresa, economizando imposto.
O controlador faz uma doação de suas ações ou cotas, como adiantamento de legítima, a seu herdeiro, atribuindo-lhes o favor efetivo de mercado. A diferença entre o valor de aquisição original e o valor da doação está excluído de tributação, no doador. Desde que esta doação tenha a incidência do imposto de transmissão sobre doações, da competência dos Estados e do DF, a uma alíquota de 4%, tal valor de mercado será considerado como valor de aquisição do donatário (herdeiro, recebedor da doação).
O feliz herdeiro e donatário, ao fazer, por sua vez, a alienação dessas cotas ou ações para terceiros, cumprindo o objetivo de ceder o controle da empresa, pelo mesmo valor de mercado, não terá nenhum ganho de capital, não havendo IR a pagar.
A distorção da lei básica e da instrução normativa é total. Primeiro que, para doador, não há ganho de capital, pois está a realizar um ato gratuito. Em realidade, tem perda de capital. Para o donatário, o custo de aquisição é zero, pois recebeu um bem sem ônus nenhum. Atribuir-lhe como custo de aquisição o valor de mercado é abrir possibilidade de fuga ao pagamento do IR.
Esse furo na interpretação da lei não pode continuar, pois atenta contra a moralidade e propicia abuso da forma jurídica, para evadir-se ao pagamento do imposto.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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