São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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FMI quer ser fiscal do setor privado

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A reunião anual do FMI e do Banco Mundial, há duas semanas, colocou em evidência uma proposta de atuação desses organismos que talvez ainda não tenha sido bem percebida.
O Fundo, que sempre foi antes de mais nada um fiscal de programas macroeconômicos, de ajustes orçamentários e outras variáveis macro, passa agora a se preocupar com a saúde do setor privado.
Duas questões foram para o topo da agenda: corrupção e instabilidade financeira. É verdade que, em certa medida, as preocupações do FMI continuam mais concentradas sobre os "defeitos" das economias emergentes, onde supostamente o desarranjo institucional, a irresponsabilidade financeira e os mercados negros estariam mais arraigados. Mas, em termos de programa de ação, há um claro deslocamento de temas macroeconômicos para problemas micro.
O Institute of International Finance (IIF), centro de pesquisa financiado pelos principais bancos do mundo, criado depois da crise mexicana de 1982 e em função dela, critica abertamente a nova pretensão do FMI.
Seu recado, em Washington, é claro: não há por que fortalecer o instrumental ou aumentar os recursos para salvaguardar países com dificuldades em suas contas externas. A "abordagem a partir do mercado" ("market-based approach") seria mais acertada.
Curiosamente, tanto o IIF quanto o FMI partem de um mesmo conjunto de fatos, de uma análise muito semelhante de como funcionam atualmente os mercados financeiros globais.
Fragmentação
O fato fundamental dos mercados globais nos anos 90 é a fragmentação. Nos anos 80, o problema da dívida externa dos governos estava concentrado nos bancos que formaram verdadeiros cartéis para os quais a ação disciplinadora do FMI era crucial.
Já no período recente não se trata de dívida externa, mas sobretudo de um mercado de capitais global que atende a empresas privadas. Anos 80, dívida pública, anos 90, captação privada de recursos e uma infinidade de agentes.
Mas esse fato pode ser interpretado a partir de pelo menos duas visões totalmente opostas.
Para o FMI, a ausência de credores e devedores torna mais difícil o acesso à informação sobre países e empresas. Para o IIF, a fragmentação e a flexibilidade dos novos instrumentos financeiros (títulos e não dívida soberana) cria estímulos à maior disseminação possível de informações.
Ou seja, as duas interpretações fazem da informação o elemento fundamental da dinâmica financeira. Mas enquanto para o FMI a incerteza sistêmica reserva novas funções para os órgãos regulamentadores e fiscalizadores, para o IIF o que existe é uma incerteza localizada que é permanentemente superada pelos próprios agentes, sem nunca colocar em risco a integridade do sistema.
Nos dois casos, a informação é incompleta. Para o Fundo, isso aumenta o risco. Para os banqueiros privados, isso faz parte do jogo. Nos argumentos que os banqueiros podem usar para justificar sua posição há uma enorme dose de pragmatismo. Eles dizem por exemplo que o FMI pinta o quadro mais negro só para ganhar poder.
Mas há outro pragmatismo. Afinal, pelo menos parte dos investidores realmente encara o mercado como cassino, aposta em azarões.
Papéis da Bulgária ou do México logo depois da crise podem ser comprados por preços irrisórios, que serão mais ridículos quanto maior a incerteza sobre a velocidade, a extensão e a intensidade da intervenção de governos ou organismos multilaterais. Como, na prática, na maioria dos casos ocorre algum tipo de intervenção saneadora, o lucro pode ser literalmente extraordinário.
Ao mesmo tempo, a própria fragmentação acaba favorecendo as pretensões de supervisão global do FMI. Afinal, nos anos 80 a concentração de dívida bancária permitiu que os principais credores impusessem ao Fundo um receituário de políticas macro que reduzisse os riscos de inadimplência. Agora, na prática, as pretensões do Fundo podem ser viáveis justamente porque o "cartel dos credores" não existe mais.

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