São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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O homem virou sexo frágil

GILBERTO DIMENSTEIN

O homem norte-americano está descobrindo que esticar o rosto, tirar rugas, implantar cabelos, sugar gordura do corpo ou modelar o nariz não são apenas frivolidades estéticas -mas um meio de sobreviver no mercado de trabalho.
Sisudos executivos obcecados por balanços financeiros se submetem a cirurgias estéticas pelos mesmos motivos que levaram a modelo Claudia Liz à mesa de operação: desempenho profissional.
De acordo com as estatísticas de associações médicas americanas, atualmente 30% dos 2 milhões de cirurgias estéticas realizadas por ano são feitas em homens. A proporção triplicou nos últimos dez anos e não pára de crescer.
A corrida masculina pela beleza aos consultórios médicos, mesas de cirurgia e suplícios dos cortes e pontos, é impulsionada pelo fenômeno da demissão em massa de altos executivos nos EUA.
São vítimas de uma lipoaspiração chamada de reengenharia, que vem disseminando a ansiedade na classe média, até então, protegida contra o desemprego.
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Os cirurgiões plásticos notaram que mudava sua clientela, e os executivos, ansiosos com a onda de desemprego, temiam a competição dos mais novos. O jeito, então, seria parecer mais jovem.
Mais importante jornal de negócios do mundo "The Wall Street Journal" deu munição à ansiedade estética. Realizou pesquisa, ouvindo empresários, psicólogos, chefes de departamentos de recursos humanos, executivos. Informou que beleza estaria ligada ao sucesso profissional.
Suponha-se dois funcionários igualmente talentosos e dedicados; chega na frente quem, segundo a pesquisa do jornal, tiver melhor aparência física. O empregado feio e, ainda por cima, envelhecido, sofreria um processo silencioso de discriminação.
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A ansiedade com o desemprego acabou não apenas na mesa de cirurgia, deitou-se no divã do analista, suscitando as mais variadas explicações para a corrida estética. Algumas delas um tanto exóticas, diga-se.
Psicólogos explicam que a mulher ganhou diploma e escancarou o mercado de trabalho, ocupando mais e mais cargos destinados aos homens.
Aumentou a briga por empregos. Ocorre que a mulher tem mais experiência e menos inibição em investir na aparência. Portanto, segundo os psicólogos, o homem viu-se forçado a recorrer aos truques da estética feminina para garantir a aparência atraente.
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Até pouco tempo, um macho orgulhoso não iria em plena luz do dia a uma clínica de cirurgia plástica se não estivesse quebrado por um acidente.
Implante de cabelo já denunciaria indesculpável vaidade masculina; imagine, então, esticar a pele do rosto ou mudar o nariz.
Cabelo pintado já comprometia ou, no mínimo, suscitava a suspeita de paixões por mulheres mais jovens.
José Sarney parou de pintar seu cabelo depois que virou presidente. Fernando Henrique Cardoso justificava apressadamente retirada da volumosa bolsa dos olhos como razões exclusivamente médicas.
Um levantamento de opinião pública constatou nos Estados Unidos que, em 1986, 9% dos homens aceitariam pintar o cabelo; hoje, este número pulou para 57%.
Com os abastados clientes do mercado da beleza, os médicos também se atiraram atrás do dinheiro. Por todos os lados abriram clínicas, sem supervisão, estimuladas pelas novas tecnologias que usam raio laser ou produtos químicos dispensando cortes. "Com as novas técnicas até um macaco vira cirurgião", afirma Steven Guttemberg, especialista em recuperação facial.
Resultado: os "macacos" vestidos de branco promoveram barbeiragens, detectadas nos hospitais que recebiam seu crescente número de vítimas. Isso porque toda cirurgia implica risco. Muitas vezes, como mostra Claudia Liz, gravíssimos.
Alarmadas, as associações de medicina lançaram campanhas de esclarecimento sobre os riscos de uma operação estética. Ensinam os pacientes a ler diplomas para saber quem era um especialista ou apenas um médico que se aventurava em um novo negócio. Oferecem "hot lines".
Para começar, aconselham que o primeiro procedimento a ser tomado é pedir o livro de fotos com os resultados de cirurgias. Ali se veria antes e depois da cirurgia.
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PS - Não quero ser terrorista. Mas se aqui, onde a Justiça é mais implacável, os advogados têm ampla tradição de tirar dinheiro de médicos e hospitais descuidados, já acontece tanta barbeiragem, fico só pensando como dever ser no Brasil.
Aliás, dizem que ética médica é um médico não criticar outro médico. Em tese, dá para entender. Mas, na lógica da impunidade brasileira, mais parece a lei do silêncio.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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