São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Japão tenta ignorar ultranacionalistas

The Independent
de Londres

RICHARD LLOYD PARRY
EM TÓQUIO

Dia sim, dia não, as ruas de Tóquio são invadidas por um cortejo assustador. Trata-se de uma fila de furgões pretos, dirigidos, bem devagar pelas ruas de trânsito caótico da cidade, por homens de rostos sombrios vestindo uniformes estilizados, quase militares. Os furgões são equipados com alto-falantes potentes, dos quais sai um barulho de arrebentar os tímpanos.
Os veículos, furgões pretos achatados protegidos por grades e decorados com bandeiras do sol nascente e caracteres japoneses agressivos, trazem à mente a idéia de um cortejo de demoníacos carrinhos de sorvete. O mais notável, entretanto, é o comportamento dos japoneses que os cercam nas ruas: apesar do barulho ensurdecedor, do espetáculo bizarro e dos inevitáveis engarrafamentos que os furgões provocam, ninguém presta a menor atenção a eles.
São os furgões dos "uyoku", representantes da direita ultranacionalista japonesa. A reação que suscitam nas ruas de Tóquio é típica de seu status no país. Desde sua derrota na Segunda Guerra Mundial, o Japão tem uma direita pequena, cuja voz, entretanto, soa desproporcionalmente alta. Ela fomenta um ódio agressivo a uma ampla gama de inimigos, principalmente os comunistas e aqueles que criticam a ocupação japonesa na Ásia. Muitos de seus partidários têm vínculos com o crime organizado japonês, a yakuza.
Mas, em lugar de denunciar os "uyoku", abraçar sua causa ou simplesmente dar risada deles, a maioria dos japoneses -políticos, jornalistas e cidadãos comuns- prefere simplesmente fazer de conta que não existem.
Essa tendência tem sido especialmente notável nas últimas semanas, durante o desentendimento cada vez mais acirrado criado em torno de um grupinho de ilhas no oceano Pacífico, conhecido, em japonês, como as ilhas Senkaku.
A questão das ilhas, cuja soberania também é reivindicada pela China e por Taiwan, veio à tona em julho passado, quando um grupo de "uyoku" ergueu um pequeno farol em uma delas. O fato suscitou protestos irados de nacionalistas chineses em Taiwan e Hong Kong. A disputa, que vem recebendo uma cobertura quase histérica por parte da imprensa de Hong Kong, não foi noticiada com destaque na maioria dos jornais japoneses.
Quando pressionado, o governo -agindo sob a orientação do Ministério japonês das Relações Exteriores, que se esforça ao máximo para evitar problemas com seus vizinhos asiáticos- reafirma que as ilhas pertencem ao Japão, mas prefere não discutir a questão.
Apesar das exortações oficiais pedindo calma feitas por todas as partes, a questão -ao lado de outras das pautas favoritas dos "uyoku"- acabou por penetrar discretamente na agenda política principal do país.
A razão para isso é simples: o Japão terá eleições gerais para o Parlamento em duas semanas, disputadas por seis partidos principais que quase não têm pontos importantes para discordar. Como na maioria das eleições, o resultado vai depender de quão eficientes se mostram as máquinas partidárias regionais, que ainda não sabem como trabalhar com o novo sistema de votação.
O mais forte desses partidos é o Partido Liberal Democrático, que espera reconquistar a maioria e escapar do fraco governo de coalizão ao qual se vê preso há dois anos.
Desde a última eleição, a política japonesa deu uma virada pequena, porém perceptível, à direita. As eleições deste mês quase certamente irão selar a eclipse do velho Partido Socialista.
Assim, daqui a duas semanas, terminada a eleição, Tóquio poderá voltar a fazer de conta que os "uyoku" não existem.

Tradução de Clara Allain

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