São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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O "sopão" de FHC

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O notável trabalho do caderno Mais! com o acadêmico-presidente Fernando Henrique Cardoso revela, na prática, dois FHC.
Um é o antigo, o sociólogo que se anima a discutir conceitos de seus trabalhos do passado e a refutar críticas com a sua própria fundamentação, certa ou errada, nem importa tanto.
O outro é o presidente, visivelmente na defensiva. O FHC presidente prefere, na maioria dos casos, usar a velha tática de, em vez de refutar conceitos contrários aos seus, desqualificar os autores de tais conceitos, como "bocós".
Mas o mais incômodo é ver no FHC de hoje um conformista absolutamente incompatível com o FHC de, entre outros textos, "Crescimento e Pobreza", notável documento de análise de São Paulo, elaborado em 1975 pela Arquidiocese de São Paulo em colaboração com o Cebrap de FHC.
O FHC do Palácio do Planalto é capaz de discutir sem um mínimo de indignação a turma do "sopão", ou seja, os milhões de excluídos pela dinâmica do processo. Não parece incomodar-se se serão 40 milhões, 32 milhões, 16 milhões. Curva a cabeça, altiva em "Crescimento e Pobreza", para dizer que "provavelmente, na dinâmica atual, não há força para incorporar todo mundo".
É possível até que não haja mesmo. Mas é injustificável um presidente da República ou qualquer homem público aceitar a condenação à exclusão de seus concidadãos, sejam quantos forem.
Em favor do presidente, diga-se que ele é coerente com a sua tese, exposta desde o princípio do governo, de que quer a "utopia do possível".
À margem de ser uma contradição em termos, a "utopia do possível" não serve sequer para a Suíça ou a Suécia. Basta ler Poul Nielsen, ministro dinamarquês do Desenvolvimento Social: "Eu não posso ficar satisfeito com a política como arte do possível. Política é a luta pela necessidade do impossível".

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