São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Assunto complicado

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Volta e meia, leio de forma esparsa sobre um assunto que só me interessa nos finalmente e nunca na parte teórica ou científica: a sexualidade. A minha e, em escala bem menos importante, a dos outros.
Para início de conversa, não me responsabilizo nem me preocupo com o que fiz ou deixei de fazer durante os nove meses regulamentares em que habitei o ventre materno. O negócio começou mais tarde, no meu caso, bem mais tarde.
Como se forma a sexualidade de cada um? Sempre me espantei com a diversidade de gostos e práticas no assunto. Há os que preferem as magras, as gordas, as mais ou menos, as altas, as baixas, as burras, as inteligentes. Há até aqueles que não apreciam nenhuma delas e preferem os indivíduos do mesmo sexo. Tudo certo, cada qual é dono de sua sexualidade. Onde e como se deu a escolha?
Minha experiência pessoal é estranha, para não dizer que é espantosa. Como todo mundo, fixei-me num tipo -e, honestamente, muitas vezes me perguntei como e por quê? O melhor que fazia era ir levando -e foi o que fiz.
Até que fui a Florença pela primeira vez. Faz muito tempo e lá voltei diversas vezes para conferir.
Na capela dos Médicis, justo na urna de um deles, vi as duas estátuas de Michelangelo que representam a Aurora e o Crepúsculo. Nada a ver com este último, que deixo para seus apreciadores.
Fiquei pasmo. Aquela mulher enorme, talhada no mármore séculos atrás, por um homem que por sinal tinha outras preferências, era mais ou menos a fôrma que iria modelar não aquelas que amei, mas as que desejei.
Como quase todo mundo, admiro a Renascença em suas múltiplas manifestações. Mas achei que era demais aquela premonição lançada em cima de uma urna funerária. Daí em diante, a questão da sexualidade, que já era complicada, ficou bem mais complicada.

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