São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Complicômetro à brasileira

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A dona Joaninha é professora aposentada. Conheço-a há mais de 50 anos, desde os bancos escolares. Lecionou quatro décadas. Orgulha-se de nunca ter perdido um só dia de serviço. Até as suas cirurgias foram feitas nas férias.
Recebi dela o invariável telefonema da véspera das eleições. O motivo foi o mesmo: bisbilhotar o meu voto. Ela sabe que eu não declaro. Mas, mesmo assim, insiste.
No meio da conversa, a Joaninha me alertou para um problema que, ao mesmo tempo, é simples e complicado. Trata-se da data das eleições. Por que marcá-las em 3 de outubro?
Neste ano caiu na quinta-feira -um convite para a "ponte" do fim-de-semana. O prejuízo econômico foi imenso. E o educacional, maior ainda. As escolas pararam na quarta e reabriram na segunda. Os alunos perderam três dias de aulas.
Como justificar esse descaso numa hora em que se trombeteia sobre a necessidade de educar as nossas crianças mais rapidamente e com melhor qualidade?
Os educadores são unânimes em considerar como ideal a escola de tempo integral (oito horas por dia). No Brasil, isso é um luxo de poucos alunos (16%). Cerca de 70% frequentam escolas de dois turnos com, no máximo, quatro horas de aula por dia; 10% estão em escolas de três turnos (três horas); e 4% amargam escolas de quatro turnos (duas horas).
Isso se reflete nos demais indicadores. No ensino fundamental, a taxa de promoção é de apenas 59%. Cerca de 32% das crianças repetem de ano; e 9% saem da escola antes da hora. A maioria gasta 12 anos para completar 8 séries. O rendimento em português é de apenas 53%; e em matemática, 29% (MEC, "Imagens da Educação Brasileira", 1995).
Diante disso, o bom senso indicaria aumentar as horas de aula e não reduzi-las. Daí a pergunta da Joaninha: por que não marcar as eleições para um domingo?
Procurei estudar a razão do 3 de outubro e verifiquei que, apesar de ser um problema simples, os constituintes de 1988 transformaram-no numa complicação monumental.
O 3 de outubro decorre da combinação de seis artigos da Constituição Federal. O artigo 77 estabeleceu que a eleição do presidente e vice-presidente da República se realiza 90 dias antes do término dos seus mandatos. O artigo 29 estendeu a mesma regra aos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.
O artigo 82 fixou o início dos mandatos de presidente e vice-presidente para 1º de janeiro. E o artigo 4º das Disposições Transitórias, parágrafo 4º, estendeu a regra para os mandatos dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. O artigo 28 montou a mesma sistemática para os governadores e vice-governadores. E o 27, parágrafo 1º, estabeleceu um mandato de quatro anos para os deputados.
Não teria sido mais fácil fixar as eleições para o primeiro domingo de outubro? Não seria mais sensato ainda deixar esse assunto fora da Constituição? É claro que sim. Mas o nosso constituinte quis aproveitar a oportunidade para ensinar os eleitores a fazer contas. Por isso, tire a raiz cúbica, divida por 12, multiplique por 0,30 e pronto: 3 de outubro...!
Não é simples? Ainda bem que quase 30% dos brasileiros são bem-sucedidos em aritmética...

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