São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Da república para a monarquia

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Quando ouço disparates como esses, tenho a impressão de que, diante dos banqueiros estrangeiros, esses ministros deliram e perdem o senso da realidade. Em vez de chantagear o eleitor brasileiro, os coadjuvantes dessa ópera bufa da reeleição deveriam explicar por que quatro anos são insuficientes para fazer um bom governo.
Em princípio, não sou contra a tese da reeleição. Porém, ela deve ser colocada no momento certo e no contexto adequado. Antes de mais nada, acredito que ela não pode ser a preocupação fundamental de um governo que nem sequer cumpriu metade do seu mandato. Corre-se o risco de desviar as energias da nação para essa discussão estéril, deixando para trás os problemas urgentes, como a reforma fiscal, a reforma da previdência, a reforma agrária e outras, que deveriam ser as prioridades da equipe governamental. Portanto, o momento adequado para discutir a reeleição é o final do mandato dos atuais governantes.
Num país onde se pratica o fisiologismo explícito e o uso e abuso da máquina pública em proveito próprio, a reeleição pode conduzir a um processo de mexicanização. Só agora o México está começando a se libertar do domínio do PRI, que governou o país por quase 70 anos. No Brasil, estamos cansados de assistir ao uso eleitoral da máquina pública. Antes de mais nada, o governo detém as concessões de rádio e televisão e pode distribuí-las a seus apaniguados de acordo com suas conveniências políticas. Com a ampliação das comunicações e a influência que as redes de informações têm sobre a mente das pessoas, não é difícil perceber o estrago que pode ser feito por emissoras mal-intencionadas. Na era da Internet, televisão a cabo e redes de comunicação, nunca foi mais fácil vender sonhos e ilusões para a população carente.
Além disso, o Estado mobiliza um conjunto de obras e recursos que podem ser postos a serviço de caixinhas eleitorais e troca de favores. Não é segredo para ninguém que as grandes obras públicas podem ser sobrefaturadas, e um significativo percentual delas acaba nas contas numeradas dos assessores dos mandatários, não para uso pessoal, dirão eles, é claro, mas para financiar a futura campanha. São rios de dinheiro disponível para fazer propaganda de campanha e programas mirabolantes, com a mais sofisticada técnica de comunicações para ludibriar o eleitorado.
Por tudo isso, acho muito arriscado implantar no Brasil um sistema de reeleição que não esteja amparado numa rigorosa legislação, que iniba o uso eleitoreiro da máquina pública. Deve-se modificar o regime de concessões de meios de comunicação e inclusive rever aquelas que estão hoje em vigor e são postas descaradamente a serviço de determinados candidatos. Até mesmo os tribunais superiores e todo o aparato judiciário do país devem ser repensados e remodelados, para que não se cometam facciosismos e partidarismos.
A rigor, não excluo que uma boa gestão se prolongue por mais quatro anos. Só que não necessariamente com o mesmo presidente, o mesmo governador ou o mesmo prefeito. Se estes fizeram uma boa administração, terão influência para fazer o sucessor e, o que é mais importante, deixar o mesmo partido no governo. Basta ver o exemplo de Porto Alegre, onde a população tem consagrado nomes indiscutivelmente valorosos, como Olívio Dutra, Tarso Genro e Raul Pont, mas sobretudo a gestão do Partido dos Trabalhadores.
É hora de perceber que o amadurecimento do país passa por uma ampla reforma política e pela valorização dos partidos, que deve sobrepujar os personalismos e as ambições pessoais de quem quer que seja. Afinal, os rumos da democracia apontam para a república e não para a monarquia.

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