São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 1996
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Geração AI-5

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Impermeável ao rock, a seus estilos, desafios, problemas e caminhos, pouquíssimo poderia falar sobre Renato Russo, de quem, na realidade, só vim a tomar conhecimento agora, com os detalhes de seus últimos dias. Que o rapaz tinha talento, é evidente.
Não poderei opinar sobre sua música, mas suas letras trazem a marca de um tempo e de um modo de caminhar (ou não caminhar) pela vida. Criado em Brasília, sua formação cultural e artística processou-se sob o domínio do AI-5 -simplificação sociológica e política que aos poucos vai tomando o contorno de geração ou época.
Acredito que nunca ficaremos sabendo se droga, fundamentalismos diversos e Aids foram ou não fabricados em laboratórios tipo Dr. No. Afinal, são manifestações recorrentes ao longo dos séculos, como recorrentes são as manifestações literárias que bradam, com ou sem música, contra o estabelecido, a caretice do intelectualmente correto.
Seja isso ou aquilo, seguindo aquele preceito do rei Édipo, não se pode julgar um homem até que ele morra. O último minuto pode conter a chave para compreender a trajetória inteira.
O fim de Renato Russo, imolação cruenta e certamente imerecida, não combina com a proposta básica de sua vida, que era a procura de uma saída, de uma redenção que se frustrou, de uma Via Láctea que não existia.
Faltou-lhe, talvez, humildade para repartir a Via Láctea que é de todos e de ninguém. Ele quis criar seus próprios valores -e não tinha taco para isso.
Artista apesar de tudo, sensível e problemático como todos os artistas, embora tenha tentado em crise mais forte o suicídio, preferiu a autodestruição fragmentada e sem lucidez.
Aliás, parece que, fruto de uma geração sem luz, ele recusou a lucidez que na certa considerou uma caretice a mais, uma cúmplice daquilo que ele não aceitava e, a seu modo, tentou combater.

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