São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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O INIMIGO NA SOCIEDADE

Mais do que qualquer outro fenômeno social, a banalização da violência, principalmente nas grandes cidades, enraizou-se em parte da sociedade brasileira. O maior perigo desse processo é a população deixar de indignar-se com atitudes bárbaras que ameaçam obter um lugar cativo no seu cotidiano.
Uma rápida e despropositada discussão de trânsito na zona sul da capital paulista foi o estopim para o linchamento do contador Washington Luís Poplade, 37, na noite do último sábado. Um desenhista, um músico e um comerciante confessaram o crime, afirmando terem agido em "legítima defesa", como se, para impedir qualquer suposta ação de um homem desarmado, outros três tivessem de espancá-lo até a morte.
Poplade não foi assassinado por um ladrão que tentava lhe tirar dinheiro. Tampouco foi vítima de um grupo armado de assaltantes ou traficantes de drogas. O contador foi morto pela intolerância que se instalou em parte das relações sociais, pela irritação, às vezes transformada em violência bárbara, que muitos cidadãos demonstram em relação a outros.
Os três acusados não tinham passagem anterior pela polícia, mas atacaram a socos e pontapés um homem desarmado, acompanhado de sua mulher. Não se importaram com as testemunhas que presenciavam a cena, nem tentaram evitar que fossem reconhecidos. Voltaram às suas casas para serem presos horas depois, como se estivessem convictos de que agiram de forma adequada.
Casos como esse mostram que a violência está latente no coração da sociedade, manifestando-se em situações comuns. Contra ela, é preciso um trabalho de conscientização da própria população, cujos valores têm se mostrado impotentes para conter a agressividade cotidiana.
O grito contra a violência que São Paulo lançou dois meses atrás não deve ser dirigido apenas contra o crime tido como "profissional". Qualquer campanha deve também questionar as relações dentro da sociedade que transformam, muitas vezes, o vizinho, o colega de trabalho ou o cidadão que ocupa o mesmo espaço no trânsito em um inimigo mortal.

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