São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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'Coisa Muito Louca' é comédia muito normal

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Enrique Diaz mal aparece nos créditos do programa de "Uma Coisa Muito Louca". Não deve ser fácil, para o diretor de "A Bao A Qu", belíssimo e verdadeiramente histórico espetáculo do início destes anos 90, fazer funcionar no palco mais um veículo para atores de novela. "Uma Coisa Muito Louca" não é outra coisa.
Produzido pelos protagonistas Luciana Braga e Claudio Fontana, é uma comédia sobre casais ("eu não sabia se queria casar com ele"), com direito a palavrões em excesso; à meia nudez, nudez moralista própria do gênero; ao final feliz e vazio, que permite voltar para casa feliz e vazio.
Flávio de Souza, dramaturgo de momentos maiores como o sempre lembrado "Fica Comigo esta Noite", que permitiu também o momento maior de Marisa Orth, escreve no programa da peça ter feito "uma coisa muito louca". Difícil identificar em quê.
Que o autor domina o "playwriting", a carpintaria, não há dúvida. Cenas inteiras de barafunda de diálogos, em variante da "comédia de erros", com a confusão saindo da mistura de gêmeos para a de personagens e seus alter egos (ou superegos), são a prova.
Mas daí à "coisa muito louca" do título vai muita coisa. A peça remete às comédias do gênero "Deus lhe Pague", protagonizada por Procópio Ferreira meio século atrás, em que idéias modernistas são adaptadas à forma comercial mais comum. (Muito diferente, por exemplo, de Oswald de Andrade ou Nelson Rodrigues.)
"Uma Coisa Muito Louca" é comédia de costumes, de sala-de-estar, como se diz, mas com toques de desconstrução da ação e do texto. É uma comédia de sala-de-estar, comercial, mas, por outro lado, tem um cenário construtivista de Naum Alves de Souza.
(Em passagem reveladora, a futura esposa, de Luciana Braga, pergunta várias vezes: "Eu tenho cara de comediante?". Para ouvir várias vezes: "Não".)
Luciana Braga e mesmo Claudio Fontana, de presença menor no palco, chegam a surpreender. Quem não surpreende é Angela Dip. Comediante experimentada e de tempo desenvolvido, é quem tira o melhor da direção de Diaz e do texto de Flávio de Souza.
É sarcástica, sem o bom-mocismo em que caem o autor e o restante do elenco, tantas vezes. Diz palavrões, até os mais apelativos, como ninguém, ou como Dercy Gonçalves, talvez.

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