São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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São Paulo, capital cultural

EDEMAR CID FERREIRA

Poucas cidades no mundo podem, como São Paulo, se dar ao luxo de oferecer a seus habitantes um leque tão variado, e ao mesmo tempo de tanta qualidade, de ofertas artísticas e culturais. Após haver recebido com entusiasmo o trompetista francês Maurice André e aplaudido o último filme de Michelangelo Antonioni no cinema, esta cidade trava contato com Antônio Dias e Mira Schendel. Agora, está pronta para ouvir a voz privilegiada de Cecília Bartolli e conhecer pessoalmente os 60 novos artistas plásticos que a exposição "Antarctica Artes com a Folha" mapeou pelo Brasil.
Somente essas informações sobre o calendário cultural paulistano, selecionadas aleatoriamente, já bastariam para dar a São Paulo a condição de capital cultural do Brasil, do Mercosul, do hemisfério sul e de um dos mais importantes centros culturais do mundo, disputando com metrópoles americanas, européias e asiáticas. Mas neste mês há mais, pois as obras mais relevantes de alguns dos mais importantes artistas plásticos do século estão à disposição da visita do paulistano de bom gosto: das gravuras polêmicas de Goya à provocação contemporânea de Andy Warhol, passando pela revolução empreendida por Picasso, Klee, Basquiat, Munch e Cy Twombly. A seu lado, brilham os brasileiros Tomie Ohtake, Mestre Didi e Rubem Valentim.
O primeiro time das artes plásticas do mundo neste século se exibe no parque Ibirapuera. Pois, a estas alturas do campeonato, não venham exigir de mim modéstia. Pois ela é impossível. Se a cidade conquistou o status privilegiado de capital internacional das artes e da cultura, ela deve muito dessa posição à Bienal de São Paulo. Desde sua primeira edição, preparada com amor de pai pelo inesquecível Ciccillo Matarazzo, em 1951, a Bienal tem sido marco e ponto de referência de toda a febril movimentação cultural desta cidade, cuja vocação para o movimento permanente já se tornou sua característica mais notória.
Após 45 anos, na maturidade em termos filosóficos, mas em plena ebulição criativa da adolescência, esta instituição realiza, neste mês, a 23ª edição da Bienal Internacional, já merecendo subir, ao lado da de Veneza, na Itália, ao topo entre os eventos de artes plásticas no mundo. Quem tiver a felicidade de percorrer a exposição neste ano disporá de condições para descobrir por que a Bienal de São Paulo é uma das maiores, mas, sobretudo, das melhores e mais criativas mostras de artes plásticas do mundo.
Graças à Bienal, esta cidade não é apenas um centro cultural respeitado e com crescente importância no mundo. Ela também semeia seus impulsos criativos pelos países amigos, vizinhos ou não. Nas asas da Bienal, a antiga vila dos jesuítas transpôs os oceanos para pousar em Sydney, Austrália, e Istambul, a velha Bizâncio dos turcos, no ano passado, e Cuenca, no Equador, e Havana, em Cuba, neste ano.
No mundo globalizado da terceira Revolução Industrial, não são reconhecidos limites para o talento nem para a inquietação da livre capacidade do homem de criar. Por isso mesmo, a Bienal investiu nessa revolução. Navegando pelas ondas das comunicações e da cibernética, o paulistano encontrará na Bienal uma mostra bem diferente das anteriores.
Como sempre, o primeiro investimento foi feito na qualidade, tradição da Bienal desde os tempos de Ciccillo e exigência máxima do novo paradigma cobrado pelo exigente mundo contemporâneo. Por isso mesmo, 75 países trouxeram suas obras para os salões da Bienal, mas só um artista de cada país expõe, para tornar possível oferecer ao público paulistano o melhor do mundo, a nata da nata da produção artística mundial.
Outra aposta que a Bienal sempre faz é na inovação. Por isso, foi criada a vertente dita Universalis, na qual 42 artistas vivos e de vanguarda foram escolhidos por sete curadores internacionais. O mundo foi dividido em sete blocos: Estados Unidos e Canadá, América Latina, Europa Ocidental, Europa Oriental, Oriente, África e Oceânia, e Brasil. Um curador de cada bloco desses indicou seis artistas. Ou seja, qualquer curador, museólogo, galerista ou crítico de arte deste país terá à sua disposição uma fotografia em escala bem aproximada do mundo contemporâneo nas artes plásticas.
Se São Paulo já faz parte do Primeiro Mundo em matéria de movimentação cultural e artística, a Bienal é prova evidente de que nossa cidade merece todo esse reconhecimento internacional. E mais: tem cacife para dobrar a parada, ficando mais importante. Se é que isso é possível.

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