São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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Tucano cor-de-rosa

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O presidente Fernando Henrique Cardoso parece ter vestido, definitivamente, óculos de Pangloss para enxergar a realidade brasileira. Já fora assim durante o programa "Roda Viva", na segunda-feira, e voltou a ser ontem, no lançamento de um programa de emprego.
É claro que não se espera de um presidente que diga que tudo vai mal, que tudo está perdido, que o país não tem jeito e assim por diante. Parte do otimismo é, portanto, dever de ofício. A outra parte deve ser campanha eleitoral antecipada.
Até aí, tudo normal. O problema é que o presidente parece ter, também, uma incontrolável tendência a acreditar nele próprio e apenas nele.
Pode acreditar, por isso, que o Brasil, em matéria de emprego, se aproxima da situação norte-americana, como, aliás, disse ontem. Não é uma boa comparação, por dois motivos:
1 - nos EUA, de fato o desemprego está baixo, mas aumentou a precariedade das condições de trabalho. Vide texto do EPI (Instituto de Política Econômica), grupo de especialistas de tendência esquerdista, como o presidente insiste em definir-se.
Diz: "Na década de 80, três em cada cinco trabalhadores americanos sofreram redução no valor de seu salário". Se a renda familiar continuou a subir, é apenas porque "as pessoas aumentaram a jornada de trabalho e porque um número maior de mulheres passou a trabalhar".
Na década seguinte, sempre segundo o EPI, a coisa piorou mais ainda.
2 - No Brasil, não se tem nada parecido nem com a situação dos EUA nem com a da Europa (na qual os salários mantiveram poder de compra, mas o desemprego duplica o norte-americano).
Aqui, o problema é outro: a enorme informalidade do mercado de trabalho, a ponto de haver, hoje, mais gente trabalhando sem vínculo formal do que com carteira assinada.
Comparações do gênero, portanto, só servem para distorcer a realidade.

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