São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996 |
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Teatro de Shepard está em seus contos
MARCOS RENAUX
Todo o universo teatral de Shepard está presente: os conflitos com o pai, bêbado e machista irrecuperável, o deserto como lugar de encontro consigo mesmo, a simpatia e a culpa pelos mexicanos, o caubói que bebe uísque Wild Turkey, a mulher relegada a um papel secundário, mais para megera ou vítima que para companheira e amante. Misoginia Mas há algo novo. Em defesa da acusação de misoginia que frequentemente é feita a Shepard, por exemplo, o conto "Pele Fina" é exemplar no que revela de conhecimento da alma feminina -e na maneira como o faz-, com a personagem Lola, que deixaria qualquer homem encantado tal seu poder de sedução, com sua inteligência aguda e seca, sua imaginação, sua interpretação do amor do homem. Mesmo os referidos outros elementos do universo shepardiano estão nestes contos mais como elementos de suporte, como "sistema operacional", ao contrário do que qualquer segundo susto, qualquer temor em abrir o livro, possa sugerir. Pequena tragédia Quero dizer, não estão apenas jogados repetitivamente no papel, mas sim a serviço, na maioria dos casos, de contar uma boa história, um mito, uma pequena tragédia ou uma farsa policial. O leitor, especialmente o que já conhece o autor, não corre o risco, ainda que no começo possa ter esta impressão, de ler algo já inteiramente visto. Maturidade Como ocorreu com o teatro de Shepard, seus contos também adquiriram com a maturidade maior densidade, maior eficiência narrativa; a técnica naturalista, o drama doméstico deram a Shepard mais vida, mais interesse imediato, indispensáveis para este tipo de literatura. Contribui ainda para aumentar o interesse o fato de que vários contos se inspiram em suas experiências como ator em filmes com locações no México, no Texas e na Califórnia, com equipes artísticas e técnicas da Alemanha, da França e da Itália, todos num mesmo set de filmagens. Improvisando, que trata da eterna pergunta: "Afinal, o que é representar?", é primoroso. A tradução, de Aulyde Soares Rodrigues, é competente. Escrita em bom português, tem o tom da verdade, como diria Saul Kimmer, o produtor de Hollywood na peça "Oeste", a respeito da história de Lee. Faltaram apenas algumas notas do tradutor para certas palavras ou siglas não traduzidas, cuja tradução ou significado ninguém é obrigado a saber. Deve ser, como sempre, a pressa do editor, que precisa publicar antes de feita a última das últimas revisões. Livro: Cruzando o Paraíso Autor: Sam Shepard Lançamento: editora Mandarim Texto Anterior: Robertson também rege em SP Próximo Texto: Obra enquadra Moreira da Silva, inventor do samba-de-breque Índice |
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