São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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NOMENKLATURA

Há dez anos, Mikhail Gorbatchov surpreendia o Ocidente dizendo que o mais importante é o poder econômico, não o militar.
Dez anos depois, a Rússia que restou da União Soviética ainda tem enormes dificuldades para lidar com o "establishment" militar. A demissão do general Alexander Lebed é mais um capítulo dessa trajetória.
A crise russa é essencialmente militar. Aliás, talvez não seja por acaso que, no mesmo dia em que o presidente Boris Ieltsin anunciava a demissão de Lebed, o secretário da defesa dos Estados Unidos, William Perry, fazia um apelo na mesma Moscou pela aprovação do tratado de contenção armamentista Start 2. Apelo recebido com frieza e ceticismo pela cúpula russa. Perry debateu por duas horas com membros da Duma, a câmara baixa do Parlamento.
Além da questão nuclear, que continua pendente, está em curso uma guerra menos fria, mas igualmente surda entre Rússia e EUA para decidir os destinos da Otan. A Rússia, como é óbvio, alimenta pretensões territoriais e militares que, na prática, remontam ao imperialismo czarista.
Lebed vinha firmando-se como um dos mais ostensivos defensores de posições nacionalistas, não apenas em questões territoriais e militares, mas também no que se refere à reforma da economia russa e ao controle de setores considerados estratégicos, como energia e infra-estrutura.
A dúvida política imediata é se a demissão de Lebed de fato vai enfraquecê-lo, num contexto em que a fragilidade física do presidente Ieltsin pode acabar provocando a convocação de novas eleições, como aliás já demanda o próprio Gorbatchov.
A democracia russa debate-se numa luta pelo poder que lembra, nos seus temas e na dinâmica de golpes de Estado virtuais, a velha "nomenklatura" soviética. Ou será que na realidade era a "nomenklatura" que se filiava a uma tradição centenária de instabilidade imperial?

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