São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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Vote muro ou vote nulo?

JOSÉ SARNEY

O PSDB tem sido muito acusado de ser o partido do muro, ou melhor, "de ficar em cima do muro". Essa expressão, que antigamente se aplicava a toda indecisão, entrou no dicionário político como uma conotação de ausência de posições e resguardo.
A verdade é que o "muro" foi inventado para essas coisas, isto é, para defesa, para proteção, e nada mais justo que ele, também, defenda os políticos de situações embaraçosas.
O muro mais antigo e mais largo construído pelo homem foi na China, século 3, antes de Cristo, e pelo seu tamanho, comprimento e largura chamado a grande e famosa Muralha da China, ao tempo do imperador She-Huang ti, e reformado ou reconstruído na dinastia Ming, séculos 16 e 17.
Nesse muro, o PSDB estava livre de qualquer acusação, porque ninguém podia ficar a não ser em cima do muro, vigilante, setas nas mãos, alertas dia e noite, com medo dos mongóis e bárbaros que podiam atacar a toda hora. Em cima do muro era símbolo do medo e, também, da coragem. Ora, o símbolo do PSDB é o tucano e não a Muralha da China.
Já outro muro, o das Lamentações, era lembrança de uma derrota que dói até hoje na humanidade, a destruição do Templo de Salomão e das muralhas construídas por Herodes. Ali os judeus vão chorar as ruínas de Jerusalém. É bem verdade que eles choraram mais quando em 48 foram impedidos de entrar na Cidade Santa e só voltaram em 67, depois da Guerra dos Sete Dias.
Em linguagem técnica existem vários muros imaginários: o muro sônico, a famosa barreira do som que em política podia ser traduzida por 'não atravesse a barra' (conselhos para o PMDB), o muro azul, aquele que os mergulhadores descobrem quando não enxergam mais nada na profundidade, situação muito comum na vida política (PT), e outros muros ou murros mais.
Ultimamente, o muro mais comentado, também simbólico, é o Muro de Berlim. Nesse o PSDB não podia ficar em cima, porque se ficasse seria abatido pelas balas da Alemanha Oriental ou da Ocidental.
Um certo governador gostava tanto do muro que, uma vez, ao lhe ser oferecida pelo garçom uma xícara de café, com a pergunta "o senhor quer com adoçante ou com açúcar?", respondeu ríspido e duro. "Até isso eu tenho que decidir? Ora, favas!"
Há, também, um muro célebre que os romanos construíam para marcar os seus limites: "O muro do Diabo". Esse ninguém podia atravessar e muito menos ficar em cima. É o muro que o nosso Luís Carlos ficou encarregado de construir.
Churchill usou, também, a imagem do "muro". Ele dizia que três coisas são difíceis no mundo: "Segurar um muro que está caindo, beijar uma mulher correndo e fazer discursos em banquetes".
O muro assim nos deixa, também, no muro. Sê-lo-á -como diria o Jânio Quadros- uma prudência ou um medo da reeleição, perdão, da reação?
Sêneca, nas suas cartas a Lucílio, sentenciava, nos "Livros" de 11 a 13: "A indefinição mental não pode ser apanágio dos sábios".
"Dar nome a um nome é delimitar as coisas" é o princípio taoísta. Vote muro será o mesmo que vote nulo? Eis a questão.

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