São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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Ciência e tecnologia, engenharia e emprego

LUIZ PINGUELLI ROSA

Permanece atual o livro "A Humanidade e a Mãe Terra", de Toynbee. Ganhei-o agora como presente póstumo do engenheiro José Albuquerque, que desafortunadamente faleceu pouco antes de eu recebê-lo. Meu amigo Albuquerque trabalhara na Finep, órgão de fomento do Ministério da Ciência e Tecnologia, de onde saiu em um dos enxugamentos, no governo Collor.
Simbolizava uma categoria em extinção no Brasil: a dos engenheiros e técnicos que pensavam ser importante desenvolver tecnologia no país. Repentinamente descobrem que, segundo a teoria econômica em voga, o Brasil não será mais um país industrial, mas de comércio e serviços. Teremos todos que nos reciclar. Esquecer a mecânica, o eletromagnetismo, a termodinâmica, a estrutura da matéria e mesmo a informática aplicada ao cálculo científico. Bastará um pouco de estatística e as formulinhas de juros compostos para vender, comprar, cobrar comissões e ganhar algum por fora. Quem não tiver vocação para isso que se deprima ou se mude para a Coréia do Sul.
Para Toynbee, "o futuro da ciência e da tecnologia depende de a sociedade continuar a valorizar essas atividades e recompensá-las" e de "indivíduos da mais alta capacidade intelectual se ocuparem delas". No Brasil, a área econômica do governo deixou em 1996 sem verbas a Finep e o CNPq, que suspendeu auxílios à pesquisa, taxas de bancada e bolsas de novos doutores, enquanto há expectativa de um programa de núcleos de excelência cujas verbas já foram a priori reduzidas.
Segundo notícia de jornal, o BNDES está incluindo nas suas prioridades investimentos em parques de diversão. O perigo é o país ingressar no mundo pós-industrial pela porta dos fundos, não na informática, nos serviços tecnológicos, em pesquisa e desenvolvimento. Os jovens com sorte irão ser operadores da ciranda financeira, hoje generosamente protegida por bilhões de dólares de recursos públicos para os bancos, mais do que a soma dos preços de privatização da Light, da Escelsa e da Vale do Rio Doce. Os de menos sorte irão ser operadores de roda-gigante em parques? Aos sem sorte restará a economia informal, eufemismo que inclui tudo, até o tráfico de drogas.
Toynbee observa que a ética é inerente ao homem. Os animais, num juízo aristotélico, agem por um determinismo natural aético. No neoliberalismo, interesses externos determinam aeticamente que empresas fechem ou reduzam os empregos no Brasil. Se houvesse um revisor neoliberal no estilo stalinista, como o personagem de Orwell, em "1984", tiraria a palavra ética do dicionário.
A opinião pública, manipulada pela mídia, é chantageada pelo falso dilema: liberalismo com desemprego ou democracia social com inflação. A esquerda subestimou o papel da moeda estável. O povo tem a consolação do frango barato, o que é bom. A classe média se diverte com os importados. Os ricos vendem suas empresas e aplicam no mercado financeiro em papéis do governo, que paga juros generosos. Mas, sem emprego, o pobre não come frango. A classe média vê seus filhos se formarem sem terem onde trabalhar nas profissões que escolhem. Os ricos viram representantes comerciais ou sócios minoritários de multinacionais.
Após apoiarem a privatização da Light, industriais do Rio vão a Brasília reclamar do aumento da tarifa de energia elétrica pela Light, sob controle francês e norte-americano, pois prejudica a competitividade do Rio face aos outros Estados.
Mas há diferentes opções de integração na globalização, como mostram alguns países asiáticos que tiram vantagens dela. Na América Latina, o Chile controla o seu principal produto, o cobre, e o fluxo de capitais. E se dá melhor na abertura econômica que a Argentina e o México, que perderam o controle de suas economias. O Brasil deve pensar melhor seu futuro, se será a desindustrialização mesmo, dependendo tanto de investidores externos.
Toynbee diz que, em 1897, tudo parecia sob total controle dos países ricos do Ocidente, como hoje ocorre com a globalização. A China e a Índia estavam sob domínio das potências, o Japão se modernizava, bem como a Rússia entrava na órbita ocidental. Mas seguiram-se a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Soviética, o nazismo, a Segunda Guerra, terminada com as bombas nucleares no Japão, que marcaram o início da Guerra Fria, terminada com o colapso do Leste Europeu e da URSS.
Voltamos em 1996 à situação de 1897? O que virá a seguir, com populações de desempregados, desigualdades crescentes, desesperança dos jovens? Mas, se Toynbee estiver certo, como seres conscientes temos escolhas éticas. Pequenas mudanças no presente poderão mudar muito o futuro, evitando o caos.

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