São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Especialistas divergem sobre a convocação do plebiscito

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em países como Áustria, Suíça, Itália e França, mudanças na Constituição devem ser submetidas à aprovação popular. Quem nota é o constitucionalista Fábio Konder Comparato, da USP.
No Brasil, porém, a Constituição não obriga a convocação de plebiscito para que autorizar o presidente a tentar um segundo mandato.
Essa é, aliás, a única concordância entre filósofos, cientistas políticos e especialistas em direito constitucional consultados pela Folha.
Maria Teresa Sadek, socióloga e professora da USP, afirma que a proibição de um segundo mandato presidencial consecutivo surgiu no Brasil há 105 anos e se baseava no temor de que algum presidente se eternizasse no poder, a exemplo do imperador deposto.
Fausto Castilho, professor de filosofia da Unicamp, diz que, teoricamente, haverá mais democracia quanto maior for a certeza da "precariedade do mandato do governante", o que é uma característica do parlamentarismo.
No presidencialismo brasileiro, porém, a "precarização" do mandato criaria outros problemas, sobretudo econômicos. "É mais fácil mexer na Constituição do que mexer na estrutura política", afirma.
Em termos de procedimento, Comparato diz que, se o plebiscito resolver que o presidente não deve ser reeleito, o Congresso ficará moralmente impedido de tomar uma decisão em sentido oposto.
Outro professor de direito da USP, Dalmo de Abreu Dallari, diz ser necessário redigir de forma não dirigida a pergunta a ser eventualmente submetida aos eleitores.
Em 1963, quando se votou pela volta ao presidencialismo, o eleitorado foi indagado se era preciso "devolver" a João Goulart os poderes que a emenda parlamentarista lhe havia tirado.
Qualquer tema que não implique supressão da democracia pode ser submetido à consulta popular, diz Maria Victoria Benevides, professora de sociologia política na USP.
Ela diz que o jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio -talvez a maior autoridade no assunto- assinala não haver, neste final de século, democracia exclusivamente parlamentar. Todas elas contêm mecanismos de democracia direta, como a iniciativa popular legislativa, o referendo ou o plebiscito. Sua conclusão: a possibilidade de o presidente ser reeleito deve ser submetida a um plebiscito.
Maria Teresa Sadek diz, no entanto, ser "falso o pressuposto de que todas as pessoas se interessam com a mesma intensidade por todos os temas institucionais", a ponto de se pronunciar sobre eles.
Em 1993, argumenta, o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo, em lugar de discutir parlamentarismo e presidencialismo, acabou se tornando uma condenação moral do Congresso.
Para Mônica Caggiano, da Faculdade de Direito da USP, a possibilidade de reeleição envolve "uma decisão política fundamental", em que deve ser ouvido "o titular do poder constituinte, que é o povo".
Em 1991, os governos da atual União Européia assinaram o Tratado de Maastricht, que mexeu com a soberania de cada um deles. A Dinamarca, a Irlanda e a França foram os únicos países que submeteram o tratado a referendo. O episódio indica a inexistência de critérios internacionais únicos para justificar a consulta popular.

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