São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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O preço da rebeldia

CELSO PINTO

A discussão sobre o refinanciamento da dívida dos Estados é uma questão de R$ 91 bilhões, ou duas vezes o tamanho da dívida renegociada pelo Brasil com os bancos privados internacionais, depois de anos de conversas.
Natural, portanto, que ela seja vista como decisiva, tanto do ponto de vista de Brasília, quanto dos Estados. Ceder demais, para o governo federal, significaria comprometer a essência do Plano Real. Obter de menos, para alguns governadores, seria desperdiçar um mandato apagando incêndios.
A linha que separa o aceitável do inaceitável nesta negociação é saber quem vai conduzi-la. A questão é delicada, e o ponto de partida foi uma esperteza do governo federal.
A Constituição diz que cabe ao Senado decidir sobre o endividamento estadual. Historicamente, contudo, o que o Senado tem feito é, de tempos em tempos, renegociar em termos generosos dívidas acumuladas por Estados, premiando quem mais abusou e estimulando a falta de disciplina.
Como a situação dos Estados é crítica, o governo federal aproveitou para desenhar um tipo de acordo que não só contornasse a recorrente generosidade do Senado, como desse alguma garantia de que isso não ocorreria no futuro. O protocolo assinado entre o governo federal e os dois Mato Grosso, o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, só se transformará num acordo formal depois de votados e transformados em lei pelas Assembléias locais.
Desta forma, Brasília fica com um contrato, que é lei, e determina as regras básicas de endividamento destes Estados pelos próximos 30 anos. Ele prevê quanto o serviço da dívida poderá consumir da receita líquida, um cronograma de redução do endividamento global e a proibição de emissão de títulos estaduais até que a dívida global chegue ao equivalente a um ano de arrecadação. Em suma, ficam fixados em lei os itens que, de outro modo, poderiam ser mexidos, no futuro, pelo Senado.
Os governadores querem dar o troco. Não só pedem regras muito mais generosas do que as do acordo federal, como querem obtê-las por meio de leis votadas pelo Senado. Ou seja, o Senado voltaria a ser o juiz do endividamento dos Estados, agora e no futuro.
A reação forte de Brasília, a começar pelo presidente da República, é proporcional ao que está em jogo. Se Brasília ceder, o efeito de médio prazo será sinalizar que, assim como os Estados hoje querem renegociar o que recém negociaram em 1993, nada impedirá que os governadores futuros renegociem o acordo atual.
Mesmo nos termos do acordo federal, é difícil assegurar que o ajuste dos Estados, desta vez, é para valer. O acordo vira lei, mas, no Brasil, este é apenas um ponto de partida: se um Estado parar de pagar, Brasília estaria disposta a mandar tropas?
O contrato prevê ajustamento para os próximos 30 anos, garantias e punições para quem sair da linha. Mas quem acredita que o governo federal vai mesmo sequestrar receita de ICMS para pagar sua dívida? A primeira imagem de um hospital paralisado na TV por falta de dinheiro provocaria uma comoção popular.
Se este acordo é frágil, o que dizer de um acerto combinado com o Senado? E como um acordo que refinancia o estoque da dívida a um preço camarada pode ajudar vários Estados cujo problema principal é gastar, cada mês, para pagar funcionários, mais do que todas suas receitas?
Banco Mundial
Nesta briga dos Estados com Brasília, o Banco Mundial (Bird) tem sido um espectador mais do que interessado. O Bird está disposto a fazer um programa de empréstimos de R$ 5 bilhões nos próximos três anos com o Brasil. Uma parte substancial do programa será de empréstimos para ajudar Estados a se reestruturarem e privatizarem empresas (as outras duas prioridades são a área social, educação e saúde, e o gasoduto Brasil-Bolívia).
Rio e Minas teriam direito a US$ 300 milhões cada, Rio Grande do Sul a US$ 150 milhões ou mais e São Paulo até US$ 500 milhões. Em todos estes casos, contudo, só se eles assinarem e cumprirem o programa de ajuste do governo federal. São Paulo, por exemplo, pode ou não ficar com o Banespa, mas o Bird só senta para conversar quando Brasília der luz verde.
Os empréstimos do Bird são a maior cenoura do programa de ajuste. Alguns governadores rebeldes sabem disso.

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