São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Globalização não é processo homogêneo

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O economista Paulo Nogueira Batista Jr. tem promovido em seus artigos na Folha verdadeira cruzada contra o que ele considera a vulgarização da idéia de "globalização". A rigor, ele nem fala em vulgarização da idéia, pois considera o tema em si mesmo um embuste, uma manipulação sem conteúdo.
Uma boa oportunidade para tirar o véu de pura propaganda ou mistificação que muitas vezes envolve o tema é o relatório divulgado na semana passada pela Organização Mundial do Comércio, "Trade and Foreign Investment". Para quem acredita que existe alguma realidade nisso que ganhou o nome popular de globalização, que aliás é o meu caso, o relatório ajuda a colocar os pés no chão.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que os modelos econômicos tradicionais sempre consagraram a liberalização comercial como uma espécie de motor do progresso e, ao mesmo tempo, de solvente de todo tipo de rigidez. No limite, o modelo ortodoxo demonstra matematicamente que todos têm o máximo a ganhar quanto maior a liberalização geral, voluntária e irrestrita.
A literatura acadêmica mais recente, entretanto, aponta para uma outra realidade, menos simplista. São as decisões de investimento, sobretudo das múltis, que definem o desenho ou o padrão do comércio internacional.
Isso explica a nova frente de preocupações da OMC. Qualquer discussão séria sobre os rumos do comércio mundial exige conhecimento dos fluxos de investimento internacionais, ou seja, das estratégias das grandes empresas multinacionais.
Nesse contexto, o relatório da OMC sublinha alguns dados fundamentais. A começar do fato de que hoje dois terços do comércio mundial estão associados às tais empresas, e apenas um terço é de vendas de empresas de base estritamente doméstica.
Daqueles dois terços, um é resultado exclusivo de operações conhecidas como "intra-firmas"; o outro terço são exportações de multinacionais para outras empresas. Outro dado eloquente: as vendas de filias de multinacionais já excedem o valor do comércio global de bens e serviços, que chegava a US$ 6,1 trilhões em 1995.
Global trader
No caso brasileiro, por exemplo, muita gente fala que o país tornou-se um "global trader" (comerciante global), já que as relações comerciais com o exterior estão bem divididas entre os mercados latinos, norte-americanos, asiáticos e europeus (a União Européia já é o principal parceiro comercial do Mercosul).
A explicação para essa "globalização" do comércio brasileiro não está na abertura econômica, na taxa de câmbio ou qualquer outro fator de curto prazo. Ela está na presença de filiais de multinacionais asiáticas, norte-americanas e européias no país, presença que é o resultado de várias décadas de investimento acumulado.
Para quem acha que isso significaria então que a economia brasileira já está suficientemente "globalizada", a OMC mostra que o Brasil ocupa a 18ª posição numa lista dos principais receptores de investimento estrangeiro direto entre 1985 e 1995. México e Argentina continuam na frente, assim como a China e a Malásia.
Mas um dos dados mais curiosos sobre a "globalização" dos investimentos e do comércio é a posição indiscutível, em primeiro lugar, dos Estados Unidos como país-receptor (US$ 477,5 bilhões). Em segundo lugar o Reino Unido (US$ 119,6 bilhões), e em terceiro, a França. Como revela o gráfico, os países do centro continuam, de longe, mais globalizados que a periferia.
Esse talvez seja o principal mito a desmontar na questão da "globalização". Não se trata de negar o fenômeno, ele é real. Errado é o mito de que se trata de algo homogêneo, linear, equitativo, simétrico ou contínuo. Será irreversível?

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