São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Guru dos negócios avalia chance do Brasil

OSCAR PILAGALLO
EDITOR DE DINHEIRO

Governos atrapalham, mas o empresário brasileiro tem vantagem de saber lidar com guinadas, diz Collins

Governos costumam atrapalhar o desenvolvimento da excelência empresarial não só pelo que fazem mas pelo que deixam de fazer.
No primeiro caso, a excessiva regulamentação, por exemplo, pode restringir a iniciativa de as companhias porem em prática determinada filosofia empresarial.
No segundo, a falta de prioridade efetiva à educação, como no Brasil, pode privar as organizações do capital intelectual necessário para se construírem as chamadas "empresas visionárias".
A opinião é de James Collins, autor do best-seller "Feitas para Durar - Práticas Bem-sucedidas de Empresas Visionárias", que esteve no Brasil na semana passada fazendo conferências a empresários e executivos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Recém-chegado ao panteão dos gurus da administração, Collins, 38, calcula ter vendido, em todo o mundo e em 13 línguas, até meio milhão de exemplares do livro que o projetou internacionalmente.
"Feitas para Durar", que tem a co-autoria de Jerry I. Porras, foi eleito o livro do ano de administração em 1994 nos Estados Unidos. No ano passado ficou entre os três mais vendidos, segundo a lista da revista "Business Week".
No Brasil, o livro está em segunda edição, o que é raro entre publicações sobre de negócios (editora Rocco, 408 páginas, R$ 32,00).
Professor de pós-graduação em Administração da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), Collins estudou, por seis anos, o processo que levou 18 empresas ao nível de excelência.
São multinacionais conhecidas do grande público, como American Express, Boeing, Ford, IBM, Sony e Walt Disney.
O método da pesquisa foi a comparação com empresas também de primeiro time, mas que não teriam atingido a excelência. São contra-exemplos, entre outros, Wells Fargo, McDonnell Douglas, General Motors, Burroughs, Kenwood e Columbia.
Collins tenta derrubar 12 mitos em "Feitas para Durar". Entre eles, o de que as empresas precisam de líderes carismáticos, o de que o principal objetivo é maximizar lucros, o de que grandes empresas não se arriscam e o de que empresas "visionárias" são excelentes lugares para se trabalhar.
James Collins tem duas imagens recorrentes para definir líderes empresariais: eles são ou "advinhadores das horas" ou "construtores de relógios".
O primeiro tem a habilidade de olhar para o céu e dizer as horas -ele tem a solução, mas não a compartilha.
O segundo inventou o relógio -ele ofereceu a ferramenta para que todos possam saber as horas.
Segundo a parábola de Collins, o advinhador das horas é o líder carismático, enquanto o construtor de relógios está à frente da empresa "visionária".
Enquanto dá palestras sobre seu último trabalho, Collins faz nova pesquisa. Agora, ele se mostra preocupado em saber como boas empresas se tornam excelentes (as "visionárias" são um caso à parte porque já teriam esse embrião).
Para ele, esse livro, planejado para daqui a dois anos, terá caráter mais prático. Enquanto o último estaria para a física, o seguinte estaria para a engenharia, compara.
Nos seis dias que passou no Brasil -sua terceira visita ao país-, James Collins encontrou tempo para praticar seu hobby, o alpinismo, e escalou montanhas na região de Angra dos Reis, no litoral fluminense.
Foi um desafio, mas não tão grande quanto o enfrentado na primeira vez que veio ao Brasil em agosto de 1994, logo após a introdução do Real, quando escalou o Pão de Açúcar.
Na segunda-feira, na véspera de embarcar de volta aos Estados Unidos, Collins, que está ensaiando as primeiras palavras em português, falou à Folha durante uma hora e 40 minutos na suíte que ocupou no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo.
*
Folha - O sr. estudou o caso de empresas visionárias principalmente nos Estados Unidos. Elas existem na América Latina?
Collins - Em países como Brasil e Argentina é mais fácil encontrar o líder carismático, cuja forma suprema é o ditador.
Folha - Ditador?
Collins - Não se trata de algo exclusivo da América Latina. Isso ocorre também nos Estados Unidos e na Europa. O surgimento do fascismo nos anos 30 foi resultado da necessidade do povo de ter um líder carismático.
Folha - Qual a reação de empresários brasileiros diante do argumento de que a liderança forte não é relevante?
Collins - A resistência é muito grande. A tendência da maioria é achar que as empresas precisam dessa liderança.
Folha - O sr. percebe essa resistência também entre empresários americanos?
Collins - Sim, vejo isso por exemplo no setor de alta tecnologia, onde existem pessoas como Bill Gates (presidente da Microsoft) e Steve Jobs (fundador da Apple, empresa da qual já se desligou), que são líderes carismáticos.
Mas os Estados Unidos são um país cuja psicologia nacional está, desde sua origem, em grande parte impregnada do princípio do "construtor de relógios".
Nos últimos 40 anos, Deus sabe, nós não tivemos um grande presidente e, no entanto, o país tem caminhado bem. Nos viramos bem sem grande líderes.
Folha - Líderes empresariais podem ter a dupla habilidade de advinhar horas e construir relógios?
Collins - Há líderes assim, mas eles devem cuidar do equilíbrio para não exagerarem na advinhação das horas de tal maneira que os outros passem a depender deles.
Folha - Como fica o ego dos empresários diante da perspectiva de trabalharem no sentido de se tornar dispensáveis?
Collins - Se você é um construtor de relógios, esse é exatamente o seu objetivo. E para que vão precisar de você depois que o relógio estiver pronto? Acho que essa é uma situação muito difícil para pessoas com ego grande.
Folha - A aplicação dessa idéia não é mais fácil num país em que o capitalismo esteja num estágio mais desenvolvido?
Collins - Não concordo. Realmente, numa economia mais estável é mais fácil. Num estágio mais emergente do capitalismo, pode ser mais difícil -mas é mais importante.
Folha -Por quê?
Collins - O problema é que o mundo está mudando tão rapidamente que não podemos nos permitir depender da visão de uma só pessoa. Isso resulta em organizações e empresas muito vulneráveis. E se essa pessoa não estiver mais presente? Ou estiver errada? Ou perder a capacidade de visão?
O melhor é ter uma empresa em que muitas pessoas tenham a possibilidade de acertar.
Folha - O sr. esteve no Brasil pela primeira vez logo após a introdução do Real. Os empresários brasileiros mudaram nesse período?
Collins - Há duas grandes mudanças no cenário econômico. Primeira, os últimos dois anos foram um período de grande estabilidade. Isso deu oportunidade para as empresas se planejarem melhor. A energia que elas gastavam para lidar com a moeda foi canalizada para determinar diretrizes.
Segunda, o processo de privatização está começando a se acelerar. A privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que vai acontecer daqui a quase seis meses, é um passo gigantesco.
Trata-se de uma empresa que tem um grande patrimônio estratégico e vasto legado cultural. Os brasileiros costumam dizer que o pessoal da CVRD "veste a camisa" e eles estão certos.
A CVRD deve emergir como uma empresa privada muito forte que vai servir de modelo.
Folha -O sr. acha que, uma vez privatizada, a empresa manteria aquele legado cultural?
Collins - Acho que a chance é muito boa. Primeiro, porque se trata de uma empresa que já tem 49% das ações em mãos de particulares. Segundo, porque nenhum investidor terá mais do que 20% das ações ordinárias.
Folha -Resumindo, a estabilidade e a privatização criaram um novo ambiente para as empresas brasileiras. Essa nova realidade é mais propícia à aplicação da idéia do construtor de relógios?
Collins - Qualquer momento é oportuno para se aplicar a idéia. Ela pode ser aplicada em momentos de grandes mudanças e de reviravoltas. Mas é claro que há momentos em que é mais fácil, e eu diria que está mais fácil agora do que há cinco ou dez anos.
Mas, uma vez dito isso, é importante deixar claro que muitas empresas no Brasil estão aplicando esse princípio há algum tempo.
Folha -Por exemplo.
Collins - Há muitas empresas que têm características descritas nesse princípio. Cito, como exemplo, o Banco Garantia, que teve essa orientação desde que começou a funcionar, há 25 anos.
A Odebrecht é outro exemplo. Com a filosofia empresarial estabelecida pelo Norberto Odebrecht, no livro "Sobreviver, Crescer e Perpetuar", é provável que a empresa continue muito forte com as gerações seguintes de líderes.
Isso, aliás, não deixará de ser um grande desafio, porque, mesmo sendo um "construtor de relógios", ele também é um líder extraordinário.
Folha - "Construir relógios" é, então, uma maneira de criar capital intelectual na empresa?
Collins - O que é importante é prestar atenção no que as pessoas estão fazendo e conceitualizar essa experiência. E foi isso que nós fizemos. Não inventamos nada.
Folha - O processo, então, seria natural?
Collins - Há empresários, como é o caso do Odebrecht, que são "construtores de relógios" naturais. Eles são instintivos, intuitivos. Para eles é fácil fazer isso, porque eles não o fariam de maneira diferente. O importante é identificar o que eles fizeram para que os outros possam aprender.
Folha - Até que ponto a interferência do governo é prejudicial para a aplicação dessa filosofia empresarial?
Collins - A interferência é negativa e pode ocorrer de duas maneiras. Primeiro, se o empresário atua num ambiente muito regulamentado, é mais difícil para ele dar consistência à visão que tem para sua empresa.
Por exemplo, suponha que você queira instituir um novo e radical mecanismo para determinar o preço de seu produto. Esse é o seu "relógio". Mas se há um regulamento que o impeça de fazer isso, você fica impedido de construí-lo.
A outra maneira de interferir é por meio de algo que o governo deixa de fazer. Pegue o exemplo do Brasil, que aliás é um país que eu respeito e admiro muito.
Ao vir ao Brasil me perguntei como este país poderia ajudar as empresas que queiram se orientar pelo princípio do construtor de relógios. Para mim, ficou evidente que o estímulo à educação é o aspecto mais importante.
Sem um elevado nível de graduação, não há componentes em número suficiente para se construir o relógio. Se o governo pudesse parar de fazer tudo e se dedicar a apenas um objetivo, esse deveria ser a educação.
Folha -Considerando essa deficiência, nos Estados Unidos seria mais fácil para uma empresa aplicar as idéias que o sr. defende?
Collins - Acho que isso é verdade. Se estivesse fundando uma empresa hoje, e quisesse adotar a idéia do construtor de relógios, seria mais fácil fazer isso nos Estados Unidos do que no Brasil.
Mas é importante notar que o Brasil tem uma arma secreta. Devido à instabilidade da moeda que existia e a outras guinadas econômicas, os empresários brasileiros passaram a lidar melhor com a imprevisibilidade do que seus pares nos EUA e na Europa.
Europeus, americanos e japoneses não estão treinados para atuarem num ambiente de rápidas mudanças, como as que estão acontecendo em seus países. Nós estamos acostumados com um mundo mais estável.
Os brasileiros têm a vantagem de terem vivido num mundo que será mais parecido com o mundo que todos teremos de enfrentar.
Folha - O processo de reengenharia, por meio do qual as empresas enxugaram seus quadros, não cria um ambiente hostil à implantação da idéia do construtor de relógios?
Collins - A reengenharia é um poderoso mecanismo para estimular o progresso. Mas não é suficiente. Cortar empregados sem preservar intactos os valores fundamentais da empresa é uma política apenas de curto prazo.
Folha - Mas a pergunta é: trabalhadores sob ameaça de desemprego tendem a ser mais ou menos cooperativos?
Collins - Para ter uma empresa que assume riscos, é preciso um ambiente onde as pessoas não se sintam ameaçadas. É um paradoxo interessante. As pessoas não agem impulsionadas pela ameaça. Pessoas nessa situação não colaboram. Elas tendem a ter comportamentos destrutivos. Cansei de ver isso nos Estados Unidos, e não só entre operários, mas no plano executivo e gerencial. O impulso é de autoproteção, não de criação.
É claro que é importante fazer tudo para se tornar mais eficiente, mas é preciso que as empresas também se perguntem o que mais podem fazer para aumentar a sensação de estabilidade.
Folha - Como fechar essa equação?
Collins - Vou citar o exemplo da Hewlett-Packard (empresa americana, do setor de informática, onde o autor trabalhou antes de começar a escrever). Desde 1945 a empresa não faz demissão em massa. O que eles fizeram, quando enfrentaram dificuldades, foi pensar em duas coisas.
A primeira foi identificar novas oportunidades de negócios para empregar o pessoal.
A segunda foi generalizar o ônus da contenção dentro da estrutura hierárquica, quando os cortes de despesas eram inevitáveis. Numa oportunidade, todos cortaram seus salários em 10% e passaram a trabalhar nove dias, a cada dez.
Com isso, aumenta o compromisso do trabalhador em relação à empresa.
Folha - Isso não é o que as empresas fazem normalmente.
Collins - Não, mas companhias visionárias não fazem as coisas de maneira normal.
Folha - Eu quis dizer que não é normal mesmo entre as companhias "visionárias".
Collins - Algumas são obrigadas a fazer grandes demissões, como foi o caso da IBM. Mas enxugamentos desse tipo ocorrem menos. E quando há ajustes, eles vem acompanhados de mudanças fundamentais.
Folha - Qual a reação do sindicato ao acordo na Hewlett-Packard?
Collins - Foi bom você ter perguntado. Os trabalhadores de Hewlett-Packard nunca foram sindicalizados. Sempre que o sindicato tentou organizar os trabalhadores acabou sendo rejeitado por eles.
Folha - A globalização é hoje um fator determinante para as empresas. Isso não é um obstáculo à consolidação de valores, na medida em que eles tendem a ser mais nacionais ou regionais do que internacionais?
Collins - Não há razão para não se ter os mesmos valores fundamentais em diferentes países. O que tem que ser diferente é a prática e a estratégia. Estas devem ser adequadas às diferentes culturas.
Por exemplo, o valor máximo de determinada empresa é o respeito ao indivíduo. Só que nos Estados Unidos esse respeito é demonstrado deixando o cidadão em seu canto, enquanto no Japão respeitar é incorporá-lo a um grupo.
Folha - A Wal-Mart, que o sr. cita em seu livro como uma das empresas "visionárias", está tendo sérias dificuldades no Brasil. Como empresas assim lidam com dificuldades?
Collins - A Wal-Mart tem problemas em todos os lugares fora dos Estados Unidos. E isso porque, além de exportar seus valores fundamentais, eles estão exportando também suas práticas e estratégias.
Eu diria até que a Wal-Mart deveria ter empresas diferentes para diferentes países, mas sempre mantendo seus valores.
Folha - Esse erro poderia levar à exclusão da Wal-Mart da lista das "visionárias"?
Collins - Empresas visionárias também passam por grandes dificuldades. A questão com a Wal-Mart -e isso é uma pergunta, não uma resposta- é se a empresa vai conseguir transcender Sam Walton (fundador da cadeia de lojas, em 1945, quando tinha 27 anos). Ele era um empresário com a dupla habilidade de advinhar horas e construir relógios.

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