São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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'Fiquei emocionado com os netos de Rabin no enterro dele'

JOHN F. KENNEDY JR.
DA "GEORGE"

Pergunta - Quero falar sobre a Marcha de 1 Milhão de Homens. De onde veio a inspiração para ela? Contam que o sr. estava assistindo ao discurso "Eu tenho um sonho", de Martin Luther King, ao lado de Elijah Muhammad, e que ele estava insatisfeito. É verdade?
Farrakhan -É verdade. Ele tinha reservas, não em relação à marcha, mas em relação a sua frivolidade, num momento em que a busca de justiça e empregos era um problema tão sério. Ele disse: "Um dia vou promover uma marcha, e será de natureza muito séria". Eu queria transmitir ao mundo uma imagem diferente da comunidade negra, e do homem negro em especial, então passei dois anos viajando pelo país para promover esse dia. Promover o homem negro, a reparação, uma mudança na conduta dos homens negros.
Pergunta - Depois da marcha, sua exposição pública e sua aceitação se multiplicaram por dez. Depois disso o sr. fez uma viagem por muitos países hostis aos EUA. O sr. perdeu ímpeto por causa da controvérsia gerada por essa viagem?
Farrakhan -Não estou pensando em ímpeto. Em 1963, quando Martin Luther King proferiu diante de um quarto de milhão de pessoas fez seu famoso discurso "Eu tenho um sonho", no dia seguinte um dos escritórios locais do FBI enviou um memorando a J. Edgar Hoover dizendo que Martin King era o negro mais perigoso nos EUA. E aqui estou eu, um homem considerado preconceituoso e racista, que Martin King não era.
E, mesmo assim, houve um comparecimento tão grande. Quer dizer que corro perigo vindo de elementos no governo que têm medo de qualquer líder negro que conquiste uma certa influência e que não esteja sob seu controle.
Pergunta - O que isso tem a ver com sua viagem?
Farrakhan -Enxerguei o perigo -a possibilidade de que o governo estivesse fazendo o possível para alienar nossa pequena Nação do Islã do mundo muçulmano maior.
Achei que, caso acontecesse alguma coisa comigo, era meu dever ligar a Nação do Islã ao mundo muçulmano mais amplo.
Pergunta - "Farreando com ditadores e subversão". Foi como algumas pessoas descreveram a viagem. Pessoas que lhe apoiavam.
Farrakhan -Não sou subversivo. E não fui fazer farra com aqueles que os EUA vêem como seus inimigos. Tampouco fui mendigar dinheiro. Na realidade, fui a esses países para ver o efeito do embargo econômico internacional. Fui na condição de muçulmano.
Pergunta - Tendo em vista o que aconteceu com outros líderes negros importantes que o antecederam, como Malcolm X e Martin Luther King, o sr. se preocupa com sua própria segurança?
Farrakhan -Sim, eu penso nisso. Todo mundo vai morrer. Acho que o objetivo da vida é morrer por uma causa nobre. Martin King será lembrado; Malcolm será lembrado; seu pai será lembrado; seu tio será lembrado. Porque eles combatiam por um princípio que alguém, evidentemente, temia.
Pergunta - Historicamente, são muitas vezes os guerreiros que acabam atuando como pacificadores. Richard Nixon, o anticomunista profissional, foi à China. O ex-terrorista Menachem Begin concluiu o acordo de paz com Anuar Sadat. O sr. deseja ser um pacificador? Ou exerce mais efeito agindo como a voz da indignação?
Farrakhan -Acho que os maiores patriotas são aqueles que apontam as injustiças e trabalham para retificá-las. Em última análise, nós, enquanto muçulmanos, estamos comprometidos com o princípio da paz.
Pergunta - Quando o sr. estiver velho, com um de seus muitos netos -ou serão bisnetos?- sentados em seu colo, o que gostaria que fosse seu legado?
Farrakhan -À medida que amadurecemos, chegamos a um ponto em que começamos a pensar no que deixar de herança para nossos netos. Você não perde seu ideal, mas começa a moderar o ímpeto com que procura alcançá-lo, ou pode até abandonar certos ideais para poder passar a filhos algo melhor do que foi passado para você. Fiquei emocionado com os netos de Yitzhak Rabin no enterro dele.
Pergunta - Foi comovente.
Farrakhan -É preciso homens e mulheres de coragem para sacrificar suas vidas e criar algo melhor para o futuro. Acredite em mim, sr. Kennedy, não são necessárias muitas pessoas.

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Tradução de Clara Allain

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