São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Perda de poder de jornalistas é boa notícia

GILBERTO DIMENSTEIN

A brasileira Mônica Frydman, 42, casada, duas filhas pequenas, recebeu, em junho do ano passado, a pior notícia de sua vida.
Ao analisar chapas que exibiam sinais de câncer, uma médica disse-lhe que o tratamento exigia medidas drásticas: um seio deveria ser extirpado imediatamente.
Em meio ao choque, Mônica lembrou-se de um filme. O personagem central tem os dias contados e, com uma câmara de vídeo na mão, colhe depoimentos sobre sua vida; por meio dos depoimentos, reconstrói sua história em diferentes ângulos.
"Vou morrer", repetia Mônica para si mesma ao voltar para casa, em um bairro chique de Manhattan. Decidiu gravar diante da câmara suas idéias, valores morais e sentimentos; seria uma herança para as filhas, um jeito de continuar viva na memória das meninas.
O marido de Mônica, o biólogo francês Gilles Frydman, não se rendeu ao tratamento proposto. Foi em busca de informação na Internet e acabou livrando a mulher daquela drástica cirurgia. E, por tabela, acabou ajudando muita gente.
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Gilles descobriu grupos de pacientes com câncer que, pelo computador, trocam experiências. Ele descreveu o diagnóstico e o tratamento proposto para sua mulher. Detalhou a conversa com a médica e a necessidade de cirurgia imediata.
Logo veio a resposta de uma mulher que tinha tido exatamente aquele mesmo tipo de câncer e não fez tratamento tão drástico. Ela aconselhou o casal a ouvir a opinião de um outro médico.
Mais otimista, Mônica seguiu o conselho e, de fato, não precisou tirar o seio. Tirou apenas um pedaço do seio, fez radiação e está curada. Agora seu médico está mais interessado no trabalho do marido do que na paciente.
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O caso de Mônica mostra como um paciente, hoje, depende menos do médico para ter informações sobre medicina -e, também depende menos do jornalista.
A redução do poder de intermediários na captação e difusão de informações é consequência do impacto das novas tecnologias, moldando os novos meios que os dados trafegam. É bom. Nunca, em toda a história da humanidade, tantas pessoas tiveram acesso a tantos dados.
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Graças às novas tecnologias, o indivíduo necessita menos de intermediários para ir às fontes de informação, esteja em Nova York, Paris, Roma, Nova Déli, Rio ou São Paulo.
"As redações estão confusas. A mudança é muito rápida e os jornalistas sentem-se desacostumados. Até os veteranos se sentem focas", afirma Lynnill Hancock, repórter e professora da Escola de Jornalismo de Columbia, em Nova York, considerada a melhor do mundo. Foca é o repórter iniciante.
O desnorteamento dos jornalistas virou capa da revista "Time" na semana passada. A reportagem mostra a queda de audiência dos telejornais e de leitores dos jornais. Uma das razões são os produtos on-line.
"É como se, de repente, apagassem a luz da redação no meio do fechamento", compara David Kleitel, consultor do jornal "The New York Times" e diretor de novas tecnologias da Escola de Jornalismo de Columbia.
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Qualquer indivíduo munido de um computador, ligado a uma linha telefônica, lê uma notícia no jornal e pode checá-la ou complementá-la em diversos bancos de dados a sua disposição.
Explicando: leio uma reportagem baseada em dados do IBGE; se tiver dúvidas sobre a precisão dos dados citados, basta um clique e vou direto para o próprio IBGE, onde estão expostos todos os dados.
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Não é futurismo. Os leitores mais qualificados já estão indo além dos jornais, servidos pela imensidão de páginas da rede de computadores Internet.
Em São Paulo, por exemplo, alunos do Colégio Bandeirantes, uma escola privada da zona sul da capital, estudam direitos humanos usando notícias de jornais. Ao mesmo tempo, aprendem a usar o computador como ferramenta de pesquisa, enriquecendo seus conhecimentos via Internet.
Os jornalistas estão aprendendo que hoje os indivíduos têm acesso a gigantescas bibliotecas em suas próprias casas. Isto, é claro, se a pessoa for alfabetizada, ou seja, se conseguir ler em inglês. Não é elitismo: quem só fala português pode se considerar subcidadão, justamente pelo limite de acesso à informação.
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Os avanços tecnológicos não significam o fim da imprensa, assim como a televisão não acabou com o rádio nem com as salas de cinema. Existe apenas uma nova acomodação.
A imprensa vai ter de ser cada vez mais independente, precisa, analítica e investigativa. Afinal, os jornais não concorrem mais apenas com outros jornais -o que, convenhamos, é uma boa notícia. Informação é poder. Quanto mais dividido o conhecimento, maior será a democracia.
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PS - Depois da experiência com sua mulher, Gilles Frydman resolveu montar na Internet um serviço para que pessoas que têm ou tiveram câncer possam trocar experiências. Chama-se Association of Cancer On Line Resources (Acord). O endereço eletrônico é http://www.infomed.org..
A Acord atualmente recebe 2.500 consultas por dia. Mantém atualizado um banco de dados com as mais recentes descobertas na luta contra a doença. É um centro de discussão que começou com o apoio entre os doentes e que, com o sucesso, ganhou a participação de médicos e pesquisadores.

E-mail GDimen@aol.com

Fax (001-212) 873-1045

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