São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 1996
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A violência e o direito de defesa

RENATO LUIZ DE MACEDO MANGE

A violência urbana é tema que há muito vem sendo debatido pela sociedade. Nos últimos meses, após a ocorrência de crimes marcados por crueldade, dos quais foram vítimas jovens em seus momentos de lazer e pessoas idosas que tiveram seu próprio lar invadido por marginais, esse debate se tornou mais intenso e apaixonado.
Desse irado clamor contra a excessiva e injustificável violência surgiram propostas que, a pretexto de invocar o direito à segurança dos cidadãos, desrespeitam garantias amparadas na Carta Magna.
É exemplo desse pensamento, que enxerga apenas um lado do tema, a conclamação aos advogados criminalistas para que não defendam "acusados da prática de crimes violentos" ou, se o fizerem, que proponham sua internação no manicômio judiciário, em vez de exercerem o amplo direito de defesa.
A Associação dos Advogados de São Paulo, por seu conselho diretor, manifestou seu veemente repúdio a essa conclamação. De fato, essa tese é a negativa da função do advogado, que é a de defender sem julgar, exigindo o cumprimento do devido processo legal.
Sem a existência do contraditório, sem a busca da prova, sem a defesa, sem o advogado, não há processo, e, portanto, não haverá legítima condenação.
Aliás, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, que traz os deveres éticos do advogado, determina ser "direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado".
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, determina que: somente a autoridade competente pode condenar o cidadão; há de ser observado o devido processo legal; deve ser assegurada a ampla defesa; e apenas pode ser considerado culpado aquele condenado por sentença definitiva.
Portanto, é evidente que todo acusado -seja qual for a gravidade dos crimes que lhe são imputados- tem direito à defesa, a qual deve, também por disposição constitucional, ser elaborada por advogado. Em consequência, não é possível a este negar-se a defender acusados em processos criminais.
O exercício do direito de defesa é o mister e, acima de tudo, o dever do advogado, como já ensinava Ruy Barbosa: "(...) Quando e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira" ("O Dever do Advogado", Aide Editora, pág. 44).
Note-se que, no início deste século, quando ainda não se discutiam tanto os direitos humanos e não existiam as garantias constitucionais acima referidas, o notável Ruy já demonstrava, de forma incontestável, que a função do advogado não é a de julgar o acusado, mas a de participar do processo para encontrar a exata aplicação da lei e a plena realização da justiça.
Pretender, portanto, que o advogado julgue antecipadamente quem dele necessita, negando-se a atender aquele que considerar culpado, significa pregar, a um só tempo, o desrespeito ao Código de Ética da OAB e às garantias constitucionais acima mencionadas, sem as quais jamais se consolidará o Estado de Direito. Implica, ainda, incitar a sociedade contra o advogado, que tem o dever de lutar pelo direito de defesa, sem o qual o cidadão não terá garantia contra o abuso da autoridade.
O direito à segurança do cidadão e a punição aos criminosos não excluem, mas, ao contrário, exigem o cumprimento do devido processo legal.

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