São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 1996
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O que Carpeaux fazia aqui?

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Quase ao mesmo tempo, Otto Maria Carpeaux e eu saímos do jornal em que trabalhávamos. Pedi demissão em fevereiro, Carpeaux fez o mesmo em abril. Ficamos desempregados, mas ganhamos espaço para aceitar convites de diretórios acadêmicos que desejavam beber nossos ensinamentos -não, não era bem isso, por mais que pareça absurdo, era uma forma de os estudantes protestarem contra o regime então vigente.
Daí que muito viajamos pelo Brasil afora, geralmente a bordo do meu carro, um Simca quando o compromisso não envolvia serras para subir, um Fusca meio combalido, mas potente quando a viagem era mais áspera.
Passamos um dia por uma cidade chamada Simão Pereira e Carpeaux perguntou-me como deviam chamar-se os cidadãos ali nascidos. Segundo ele, com sua erudição enciclopédica, sempre que a coisa fica difícil apela-se para o nome grego equivalente. Deu o exemplo dos nascidos em Salvador (BA), que além de baianos são soteropolitanos, uma vez que "salvador", em grego, é "soter".
Ali na estrada, ficava difícil saber como seria "simão pereira" em grego. Para mudar de assunto, elogiei mais uma vez o fato de Carpeaux ter nascido em Viena, às margens do Danúbio, as valsas de Strauss, Freud, o último baluarte do colosso romano, onde Marco Aurélio morreria e Cômodo iniciaria o declínio do império.
Carpeaux insistiu. Queria que eu parasse o carro e perguntasse numa venda o nome pelo qual os habitantes de Simão Pereira se identificavam. Além do mais, já era tempo de tomarmos um café e esticarmos as pernas. O dono da venda ouviu a pergunta e disse que não sabia. Era de Juiz de Fora e nunca tivera precisão de se chamar isso ou aquilo. Mesmo assim, ouvira dizer que podia se considerar juizdeforano. Ou juizdeforense, dava na mesma.
O vienense Carpeaux agradeceu e se perguntou em voz alta: "Que que eu estou fazendo aqui?".

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