São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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Demora da Justiça permite pedido de indenização

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A duração excessiva de um processo judicial gera o dever de o Estado indenizar a parte prejudicada, por danos materiais e morais. Ficção? Não. Na Europa, desde a década de 80, vários países têm sido condenados pela demora indevida na resolução de ações judiciais (leia texto abaixo).
Por aqui, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de indenização por dano moral pela ansiedade provocada pela injustificada demora do processo. Mas há embasamento legal para o pedido.
A Constituição fixa a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Prazo razoável
A Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil e, portanto, com força de lei interna, diz que toda a pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal.
Além disso, os Códigos de Processo Civil e Penal estabelecem prazos para todos os atos processuais, até para as decisões judiciais.
"O grande volume de trabalho do Judiciário não suprime a responsabilidade objetiva do Estado pelo anormal funcionamento do serviço judiciário", afirma José Rogério Cruz e Tucci, professor de direito processual civil da Universidade de São Paulo (USP).
O juiz Urbano Ruiz, presidente da Associação Juízes para a Democracia, concorda. "A excessiva demora causa prejuízos, especialmente nas ações alimentares, e pode ser fonte de conflitos, como nas ações possessórias. O Estado tem que responder por esses danos".
Para Tucci, o Estado tem o dever de zelar pelo término do processo dentro de um lapso temporal razoável. Prazo razoável, para ele, é aquele em que não há paralisação do processo pelo inadequado funcionamento da máquina.
Mas o que seria um prazo anormal? Tucci cita vários exemplos: a publicação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal mais de três anos depois do julgamento (a decisão só vale a partir de sua publicação no Diário da Justiça); uma decisão de primeira instância demorar mais de seis anos para ser proferida; esperar mais de dois anos para que o tribunal examine a admissibilidade de recurso perante os tribunais superiores.
"Nenhuma dessas situações é normal. E, além da eventual perda material, certamente causa angústia aos que querem fazer valer seus direitos", afirma o professor.
Em tese
Em função disso, tanto ele quanto Ruiz entendem que são indenizáveis os danos material e moral provocados pela excessiva duração do processo, causada pelo anormal funcionamento da administração da Justiça.
Guido Andrade, presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, concorda em tese, mas entende que seria inócua, por enquanto, uma ação judicial pedindo a indenização.
"O Estado não tem condições financeiras. Isso passa pela reforma do Judiciário. Só depois da reforma poderemos, quem sabe, imaginar o Estado condenado pelas deficiências do Judiciário".

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