São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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Competência normativa da Justiça do Trabalho

OCTAVIO BUENO MAGANO

O STF, em recente decisão proferida no processo RE-197.911, oriundo de Pernambuco, estabeleceu marcantes limitações ao poder normativo da Justiça do Trabalho.
Para a boa compreensão delas, vale a pena lembrar que a existência da Justiça do Trabalho, no Brasil, foi pela primeira vez prevista na Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937, sendo, a seguir, regulada pelo decreto-lei nº 1.237/39.
Surgiu como corpo de natureza administrativa, composto de juiz-presidente e de dois vogais, o primeiro nomeado pelo presidente da República e os demais designados por presidente de Conselho Regional, órgão que hoje corresponde ao Tribunal Regional. A competência a ela atribuída foi a de conciliar e julgar dissídios individuais e coletivos.
A criação da Justiça do Trabalho, com as características acima apontadas projetou-se como um dos traços do corporativismo implantado no país pela mencionada Carta Constitucional de 1937.
Em apertada síntese, pode-se dizer que o corporativismo constitui doutrina político-econômica destinada à superação dos conflitos entre trabalho e capital, mediante imposição a ambos de rígido controle por parte do Estado.
Pela sua natureza autoritária, o corporativismo, em vez de estimular procedimentos de autocomposição, eventualmente colidentes com diretrizes provenientes do "Duce", deu acentuada preponderância aos mecanismos impositivos, entre os quais o que se traduziu no poder normativo da Justiça do Trabalho.
É verdade que, com o advento da Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho converteu-se em órgão do Poder Judiciário.
Todavia, o seu poder normativo permaneceu incólume, projetando-se até a Constituição de 1988.
Como esta, em seu artigo 114, estabeleceu apenas limites mínimos para o exercício do aludido poder, a saber, o respeito às disposições convencionais e legais mínimas, muitos intérpretes passaram a sustentar que não estaria o mesmo poder sujeito a outras limitações.
Bafejada por tal orientação, a Justiça do Trabalho passou a atuar como se investida de poderes legiferantes, estabelecendo condições de trabalho frequentemente conflitantes com preceitos expressos da legislação, como é o caso de inúmeros precedentes por ela adotados e de seguidas contraposições do teor de leis de política salarial.
Sucede que o artigo 14 da Constituição, que vinha servindo de supedâneo para a expansão do poder normativo da Justiça do Trabalho, não se compadece com o princípio da divisão de poderes, inerente ao regime democrático e expressamente consagrado no artigo 2º da Constituição, emergindo ainda no artigo 60, parágrafo 4º, 3º, como um dos pontos intocáveis de sua estrutura.
Daí o acerto da recente decisão do STF, ao dispor que o poder normativo da Justiça do Trabalho pode ser exercido apenas no vazio deixado pelo legislador, não se sobrepondo ou contrariando a legislação em vigor, como nos casos de piso salarial acrescido de 20%, garantia de emprego por 90 dias, 60 dias de aviso prévio, antecipação do pagamento da primeira parcela do 13º salário para o mês de junho.

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