São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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A reforma agrária pelo bico do pato

CLODOMIR MORAIS

Um dos notáveis articulistas deste jornal, Josias de Souza, escreveu sobre grandes fazendeiros dispostos a entregar suas propriedades, com mais receio do Banco do Brasil que do Incra.
O receio do Banco do Brasil sempre aparece quando as grandes fazendas e até cooperativas já exauriram as tetas dos agentes financeiros.
Não é de hoje que se diz que o melhor negócio do mundo é uma usina falida. Usinas há no país que já faliram cinco vezes no século e foram ressuscitadas pelo poder público, com sua equivocada crença que, sem os seus proprietários, as famílias de centenas de assalariados morrerão de fome.
As "duras realidades hediondas" que Josias de Souza constata na proposta de Olacyr de Morais, "o rei da soja", dono da fazenda Itamarati, são de todo inaceitáveis.
Ora, admitir que deixou de ser um bom negócio produzir alimentos no Brasil só entra na cabeça de quem crê ser a soja o único produto aceitável na economia agrícola brasileira e no mercado internacional.
Afirmar que o trabalhador sem terra não está preparado para virar proprietário é ignorar várias reportagens desse jornal, mostrando a eficiência de suas numerosas cooperativas.
Se não se podem ver, no Brasil, empresas formadas por trabalhadores sem terra comparáveis à gigantesca fazenda do "rei da soja", é porque aqui ainda não se fez reforma agrária.
Que o "rei da soja" e os diretores do Incra tomem, pois, um avião, a fim de que se informem de como os trabalhadores sem terra de uma pequena república centro-americana, Honduras, foram capazes de se transformar em proprietários de gigantescas empresas agroindustriais.
Lá se iniciou um processo de reforma agrária que, em apenas três anos, radicou 65 mil famílias em cooperativas, empresas associativas, em um total de 1.063, detentoras de 26% de toda a maquinaria agrícola do país. Ali estão as maiores empresas de autogestão do continente.
A Coapalma, por exemplo, é proprietária de 25 mil hectares ininterruptos, cobertos de cocos-dendês destinados a suprir suas seis grandes usinas de produção de óleo comestível.
A Coapalma tem o mesmo número de casas, de laboratórios agroindustriais, colégios, creches, hospital que tem a fazenda Itamarati. A grande diferença reside na propriedade comunitária das 2.200 famílias associadas, que não têm patrão nem conhecem a inadimplência.
Outra megaagroindústria associativa é a Hondupalma, que, não satisfeita com os 6.500 hectares cobertos de dendê e sua grande fábrica de óleo comestível e derivados, está comprando do estado mais 10 mil hectares, com o propósito de gerar 3.000 novos postos de trabalho e novas ramas industriais.
No entanto, de olho!! Que, com essa visita, não sofram o ocorrido com o ministro Cirne Lima, da Reforma Agrária, da década de 70, quando ainda estava no começo a reforma agrária hondurenha. Com efeito, foi recebido pelo diretor do Instituto Agrário, o técnico João Maia Filho, assessor do nosso ministro Cirne Lima e da Contag.
O relatório de João Maia Filho entusiasmou tanto o nosso ministro da Reforma Agrária que este, de pronto, optou pela transformação da usina Caxangá (Pernambuco) em uma empresa associativa dos seus assalariados agrícolas.
Ato contínuo: o doutor Cirne Lima foi exonerado sumariamente. E foi assim que a reforma agrária brasileira, virando história, "entrou pelo bico do pato e saiu pelo bico do pinto, o rei senhor (latifúndio) mandou dizer que se contassem mais cinco" (lustros): mais um quarto de século de histórias e de histórias sangrentas...

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