São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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As outras saídas para o Brasil

ALOYSIO BIONDI

Admiradores do governo FHC vêm usando um método bastante simpático para defendê-lo. Apóiam todas as críticas feitas às distorções, declarando-as procedentes. Em seguida, porém, justificam as mesmas distorções, tirando do bolso do colete argumentos que parecem arrasadores: ora "não há dinheiro, o Estado está falido"; ora "esse é o único caminho, é uma tendência mundial". Para arrematar, brandem aquilo que parece o golpe final:
- "Ora, as oposições criticam, criticam, mas não oferecem alternativas. Você não viu? Deu até nos jornais que as oposições estão sem rumo".
Eis aí o novo mito vendido à opinião pública brasileira. Há dezenas de anos, no Brasil e no mundo, há milhares de estudos e propostas de política econômica para combinar crescimento, avanço tecnológico e criação de empregos, evitando-se ao mesmo tempo a concentração de renda, o enriquecimento de poucos grupos, à custa da decadência da classe média e criação de legiões de miseráveis.
O verdadeiro problema do governo brasileiro não é "fazer o contrário" do que o presidente FHC escreveu no passado. O problema é que ele vem fazendo o contrário do que os governos de todo o mundo fazem.
Antes de rever essas contradições do governo FHC, infantilmente defendidas por seus admiradores, vale a pena relembrar ainda que a equipe FHC/BNDES está há praticamente quatro anos no poder, isto é, desde o governo Itamar. Não procede, portanto, o argumento, usado também frequentemente, de que não se pode "cobrar" determinadas soluções para problemas que se arrastam há mais tempo.
As desculpas
1. Falta de dinheiro - Alega-se que o Estado está falido. No Brasil, segundo dados oficiais, a sonegação chega a 50%. Isto é, a arrecadação poderia dobrar. E sobrar dinheiro para tudo.
2. Desmonte do Estado - No passado, a União teve 18.000 fiscais. Já há bem uns 15 anos, tem apenas 5.000. Equipes econômicas sempre vetaram a contratação de novos fiscais (já aprovados em concurso, inclusive). Desmonte deliberado do Estado para facilitar a sonegação.
3. Falta de dinheiro, ainda - Impostos devidos não são recolhidos. A equipe FHC, em quatro anos, concedeu cinco ou seis parcelamentos de impostos não pagos. "Anistia" de até 84 meses, ou sete anos.
4. Previdência, FGTS - Devedores ganham até 10 a 20 anos para pagarem dívidas de contribuições ao INSS. O FGTS hoje é parcelado em até 15 anos.
5. Sangria - Há dois anos, a equipe FHC negou US$ 70 milhões para a Receita Federal (na prática, o Serpro) comprar computadores e fazer o recadastramento de CPFs. A medida se destinava a evitar a sonegação e remessas clandestinas de lucros para o exterior. Sua adoção havia sido decidida logo após o escândalo PC Farias, que colocou a nu o largo uso de CPFs falsos para prática de fraudes e sonegação.
6. Reforma tributária - O governo FHC fez, este ano, uma reforma tributária às avessas. O Imposto de Renda foi aumentado para a classe média e o povão, e reduzido para as empresas e para os ricos (a alíquota máxima caiu de 35% para 25%). Caso inédito no mundo. Todos os estudos do próprio governo, ao longo de pelo menos 20 anos, mostram que no Brasil a classe média já vinha pagando mais IR que os ricos e milionários. O próprio povão, mesmo quando não paga IR, arca com mais impostos (indiretos) do que os ricos. Em resumo: todos os estudos mostravam ser necessária uma reforma tributária que mudasse essa "regressividade" (isto é, os ricos pagando menos) da tributação. O governo FHC fez o contrário.
A sequência dessa análise ficará para o próximo domingo.

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