São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Os "global bonds"

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O lançamento dos "global bonds" foi precedido de uma bateria de fogos de artifício queimada pelo governo e pelo inevitável rufar dos tambores dos acólitos do oficialismo. O bom devedor soberano volta ao mercado. Dentro das quatro linhas, o jogo engrossou e a "turma do mercado" enfiou algumas bolas entre as pernas dos nossos representantes.
Seria exagero à beira da inverdade dizer que o desempenho dos "global bonds" foi um fracasso. Nada justifica falsear os fatos, nem mesmo a arrogância do diretor da área externa do Banco Central, Gustavo Franco.
Os títulos brasileiros foram colocados a preços inegavelmente melhores do que os alcançados pelos governos de outros "mercados emergentes" como o México e a Argentina. Mas a base de comparação é miserável.
Mais importante foi a reação do mercado secundário, que manifestou desejos claros de adquirir os papéis a preços ainda inferiores aos de lançamento. A queda teria sido maior não fosse a pronta reação dos responsáveis pela emissão, que resolveram "encarteirar" mais "bonds" do que gostariam.
Sentindo o clima, o senhor diretor da área externa aliviou as restrições à entrada de capitais. Dá, portanto, claros sinais de que ele também entendeu a mudança de percepção dos mercados financeiros.
Ainda que isso ocorra na margem, os negócios com contratos futuros, nos prazos mais longos, mostram um aumento nas posições vendidas em Gustavo Franco e nas compradas em Rudiger Dornbusch ou Delfim Netto.
Seja como for, o episódio do lançamento dos US$ 750 milhões em "global bonds" revela que não há injustiça, nem precipitação, nas críticas que apontam os problemas e as vulnerabilidades do programa de estabilização amparado na "âncora cambial" e fortemente dependente do financiamento externo. Nem há má vontade nas preocupações com os déficits comerciais.
A força recém-adquirida não consegue esconder a fragilidade intrínseca das moedas recém-estabilizadas (déficits em conta corrente e dívida externa em crescimento). Por isso, os ativos dos "emergentes" precisam prometer elevados ganhos de capital e/ou embutir altos prêmios de risco em suas taxas de retorno. Cria-se assim uma situação em que a queda muito rápida da inflação é acompanhada por queda lenta dos juros nominais. As taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites impostos pelos "spreads" exigidos pelos investidores estrangeiros que estão dispostos a adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca.
Nos porta-fólios dos grandes investidores, os ativos oferecidos por economias com histórias monetárias turbulentas são encarados como os de maior risco e, portanto, os que se candidatam em primeiro lugar a movimentos de liquidação, no caso de mudanças bruscas no ciclo financeiro.
Independentemente do que possa ocorrer com o ciclo financeiro, os mercados emergentes também estão mais sujeitos às alterações de opinião (dentro e fora do país) quanto à sustentabilidade dos respectivos regimes cambiais. Isso significa que seus processos de estabilização são tão mais vulneráveis quanto maior a dependência do financiamento externo.
Esse não é o primeiro ciclo financeiro internacional que nos carrega no seu fluxo de otimismo e nas ilusões de prosperidade. O século que termina assistiu o nascimento, a glória e a morte de muitos deles.

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