São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Mostra chega aos 20 sem apoteose e lirismo

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A 20ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, encerrada na madrugada de ontem, marcou a efeméride sem apoteose.
Iluminações e polêmicas passaram ao largo do evento deste ano. Nada marcou como a provocação de um Makavejev, o lirismo de um Kieslowski, a precisão de um Erice, o desconforto de um Pasolini, a complexidade de um Godard, filtrados sempre pela luz do novo privilegiada pelo festival.
Não que a qualidade média tenha baixado em comparação às versões anteriores. Foi até saudável a ausência dos grandes vencedores de Berlim, Cannes ou Veneza, catalisadores naturais de atenção prioritária, ainda que nem sempre dignos da primazia.
A curiosidade distribuiu-se, assim, quase equitativamente entre os selecionados, neste ano em número menor, reduzindo o caráter caleidoscópico da mostra.
São Paulo aproximou seu perfil ainda mais do que eventos como Roterdã e Locarno, célebres pela coragem em alavancar diretores ainda desconhecidos. Há coerência nesta correção de rota, dado o estabelecimento da competição entre jovens realizadores.
Os premiados se inserem com curiosa sintonia na galeria histórica dos vitoriosos. O vencedor do prêmio do júri, "Bela Aldeia, Belas Chamas", de Srdjan Dragojevic, dá sequência a uma linhagem de triunfos balcânicos ("Montenegro", de Makavejev, em 81, "Você Se Lembra de Dolly Bell?", de Kusturica, em 82, "Antes da Chuva", de Milcho Manchevski, de 94).
Trata-se de um filme de forte "mise-en-scène" para um cineasta ainda em primeiros passos, ainda que seu drama sobre a guerra civil que separa na Iugoslávia dois amigos de infância, um de origem sérvia, o outro, muçulmana, tropece no esquematismo, na parcialidade e na excessiva duração.
A escolha pelo público de "Nuvens Passageiras" de Aki Kaurismaki é outra vitória consequente com o passado da mostra.
O irônico minimalismo de Kaurismaki tem sido presença constante, merecendo uma pioneira retrospectiva há seis anos.
O voto popular destacou ainda a saga sueca "As Crianças de Jordbro", de Rainer Hartleb, entre a forte seleção de documentários do ano, e "Quadros Famosos", do holandês Maarten Koopman, da decepcionante escolha de curtas.
O cinema de autor continua pautando a crítica, que se dividiu entre a tragicomédia em mosaico de Raul Ruiz, "Três Vidas e Uma Só Morte", e o infanto-ecumenismo do Jacques Doillon de "Ponette". São água e vinho, ou melhor, vinho e água.
E o Brasil? As duas principais atrações ("Ed Mort" e "Antártida") não ficaram prontas. A tímida seleção viu-se ainda mais esvaziada. De olho em revelações, a mostra não soube aplicar internamente a estratégia externa. Perdeu um momento de várias estréias. Eis um foco a ajustar.

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