São Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996
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"Ed Wood" nordestino faz cowboy em PE

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

A versão nordestina do cineasta americano Ed Wood mora em Recife (PE), sobrevive vendendo discos de vinil na rua e já fez seis longas-metragens -quatro de cowboy (uma refilmagem), um de terror e outro de artes marciais.
Chama-se Simião Martiniano, 64, um alagoano que abandonou a profissão de pedreiro em Maceió, e, desde 1955, vive em Recife, onde se tornou ambulante.
Ele conta que, em 74, fez um "curso de cinema" na cidade, quando aprendeu a "montar e desmontar" qualquer máquina de 35 mm.
A partir daí, segundo ele, "botou na cabeça que um dia também faria filmes".
Ed Wood, considerado o diretor dos "piores filmes do mundo", morreu fracassado e alcoólatra, em 1978. Era, como o diretor alagoano, um apaixonado pelo cinema.
"Cinema pra mim é tudo, tudo, tudo. Sem cinema eu morro", disse Martiniano.
Os seus seis filmes foram rodados em Super-8 (um deles) e em VHS (os cinco restantes).
Passam-se sempre em cidades do Nordeste, misturam personagens da região com cowboys e até guerreiros ninjas e desenrolam-se no tempo atual.
"Eu misturo tudo e lá dentro boto o Nordeste. É para o povo, principalmente a juventude, conhecer o Nordeste", diz ele.
Custos
Martiniano não sabe precisar quanto custou cada produção, mas estima que cada um de seus filmes tenha saído, em média, por R$ 500 a R$ 2.000.
As filmagens acontecem sempre nos finais de semana, porque tanto Martiniano quanto os atores têm outras atividades (trabalham como vigilante, cabeleireira, vendedor, enfermeiro).
Por isso, diz Martiniano, filmagens que deveriam durar uma semana podem demorar até cerca de um ano -média de duração de suas produções.
Seu primeiro filme foi "Traição no Sertão", em 79, filmado em Super-8 e refilmado este ano em VHS. Está em fase de montagem.
A última de suas produções já disponível em vídeo é "A Mulher e o Mandacaru", faroeste feito em 95.
Em todos há muitos tiros, punhaladas e sangue (feito de suco de groselha).
"Ele é o trash do trash. Com o detalhe de que não é um acadêmico", analisa o produtor de vídeo recifense Kléber Mendonça Filho.
Atores
Além de dirigir, produzir, atuar e escrever seus próprios roteiros, Martiniano faz os efeitos especiais e até a trilha sonora dos seus filmes.
"Quem é ,no Brasil, que consegue fazer isso, além de mim?", orgulha-se ele, que não conhece Ed Wood.
Seus filmes são gravados com uma câmera só, de VHS, com microfone embutido. A qualidade do som é ruim e por isso, diz Martiniano, "é preciso tomar alguns cuidados".
"Não pode ter ator fanhoso nem de fala muito fina. E nem podemos gravar onde tenha muito vento, porque fica aquela zoada".
Os atores são amigos, vizinhos e pessoas que o procuram "para se tornar artistas".
Trabalham de graça e alguns até dão dinheiro para ajudar na produção.
Acidentes
Para escolher os novatos, Martiniano faz uma espécie de "laboratório".
"Levo para uma sala e digo: rebole pelo chão feito um cowboy. Dê tiro. Faça cara de quem foi ferido. Diga: 'Ai, meu amor'. Mas o difícil mesmo é fazer o cara chorar. Aí é foda, viu!"
Durante as filmagens, podem ocorrer acidentes.
No filme de artes marciais "O Vagabundo Faixa-Preta", de 91, por exemplo, um dos atores teimou em pular de uma ponte de seis metros de altura. Acabou quebrando a perna.

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