São Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996
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Vulcões extintos

CARLOS HEITOR CONY

Catânia - Ontem, foi o Vesúvio, em Nápoles. O navio se aproximava da baía que os italianos acreditam ser a mais bela do mundo e garantem que se pode morrer depois de vê-la. Hoje o Etna, que domina com sua massa monumental a velha Catânia, berço de Bellini e uma das jóias da Sicília -berço da máfia. Nada é perfeito -disse o Boca Larga no final daquele filme de Billy Wilder.
Por ora, não interessam nem Nápoles nem Catânia. Interessam os vulcões. Um senhor imponente, desses que vão para a piscina de roupão colorido e chinelos, tranquilizou a esposa dizendo que o Vesúvio era um vulcão extinto. Deve ter dito o mesmo a respeito do Etna, apesar daquela fumacinha que sempre sai de sua formidável cratera.
Pelo que sei -embora nada saiba sobre vulcões extintos ou não-, os dois monstros dormem, mas estão longe da extinção. Creio que jornalistas como eu, tartarugas, focas e micos dourados estão mais perto da total extinção. Tanto o Vesúvio como o Etna periodicamente fazem estragos, despertam de seu sono e vomitam fogo, sepultam cidades e gentes.
O Vesúvio foi o mais devastador, não pela virulência, mas pelo fato de ter dado sorte. O historiador Plínio estava no porto de Nápoles e viu a erupção do ano 70 que acabou com Pompéia e Herculano, eternizando em carvão e cinza o soldado que tomava conta da porta Marina e o casal que estava trepando. Outros vulcões fizeram pior, mas faltou o cronista que registrasse a façanha -e façanha sem cronista vira fábula.
Aliás, o Vesúvio tem senso de marketing. Sua última erupção (os vulcões têm erupções como o sarampo e a catapora) foi em 1944, com o exército de Mark Clark na cidade. Deu um romance de Mallaparte e um filme com Marcello Mastroianni e Burt Lancaster ("A Pele").
O Etna, por ser maior e mais poderoso, é mais humilde, não corteja popularidade nem glória. Vem quando ninguém espera, e o jeito é sair de baixo -foi o que fiz, ficando bem longe.

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