São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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O capitalismo vem aí

MAILSON DA NÓBREGA

Há fortes indícios de que o capitalismo está ganhando mais adeptos no Brasil, sob o estímulo dos resultados positivos da estabilidade e da abertura da economia. Nota-se, simultaneamente, um declínio do apoio social ao protagonismo econômico do Estado.
A origem da mudança pode ser o maior acesso à informação e o cansaço com a crise dos últimos 15 anos. É crescente a percepção de que a intervenção estatal do passado privilegiou minorias.
O capitalismo tem seu marco ideológico, como se sabe, na obra clássica de Adam Smith, "A Riqueza das Nações", de 1776. O sistema começou para valer na Inglaterra, embora sua construção tenha-se iniciado dois séculos antes na Europa.
O capitalismo demorou a chegar na Espanha e Portugal e mais ainda em suas colônias nas Américas, onde o patrimonialismo ficou mais forte do que nas metrópoles.
Uma das fontes de sucesso do sistema foi a qualidade do investimento. O excesso da produção sobre o consumo passou a ser utilizado para expandir a produção e a produtividade. Antes, era empregado em pirâmides, palácios, mosteiros e catedrais.
Muitos estudiosos atribuem a mudança à Reforma Protestante de Lutero (século 16). É a partir daí, não por mera coincidência, que se inicia a espetacular expansão do bem-estar da humanidade.
A Igreja Católica medieval e os escolásticos tinham aversão ao lucro. Naqueles tempos pré-capitalistas trabalhar deveria ter limites. Era perigoso para a alma ganhar além do necessário para o sustento.
A Reforma eliminou o desprezo pelo trabalho e elevou a busca da riqueza à condição de virtude. Enfraqueceu a influência e o poder da Igreja Católica. A nova ética era a do individualismo.
Sob a influência de Calvino, o mundo protestante aceitou que o esforço econômico poderia ultrapassar o necessário para a subsistência. O hedonismo produziu novos incentivos e despertou o espírito empreendedor.
Nos mil anos anteriores a 1.500 e a essa revolução, a economia mundial apenas dobrará. Neste século, a duplicação pôde ocorrer no espaço de uma década em muitos países, o Brasil incluído.
A ética protestante, segundo Max Weber, teve papel central no desenvolvimento do capitalismo, entendido como o sistema que estimula a busca contínua e racional do lucro. Para os escolásticos, o lucro era torpe.
No Brasil, ao contrário, a visão patrimonialista, o paternalismo e a cultura ibérica fincaram raízes. Nossa predileção era pelo controle do Estado sobre a economia e a sociedade e não pela competição capitalista.
O intervencionismo inaugurado nos anos 30, deve-se reconhecer, era uma resposta à necessidade de industrialização e uma consequência natural das tendências mundiais da época. Sua prazerosa aceitação foi movida, contudo, pela cultura existente.
Isso tudo explica a dificuldade de conduzir a transição para uma economia em que a burocracia perde o poder de controlar o mercado. Basta ver as resistências às reformas no Congresso.
Aqui convivem três camadas superpostas: os pré-capitalistas, avessos à idéia do lucro e da atividade privada; os anticapitalistas, movidos por sentimentos socialistas do período soviético; e os defensores do capitalismo, alguns ainda envergonhados.
Apesar disso, o capitalismo está vencendo. Um novo padrão mental enterra o patrimonialismo e os preconceitos contra o sistema. Não se quer a morte do Estado, mas que sua atuação seja voltada para a competição, a eficiência e a busca correta do bem-estar.
Há exemplos animadores, como o da recente lei sobre arbitragem, sancionada em setembro, que permitirá o uso de uma alternativa privada para resolução de conflitos.
Com a arbitragem, vamos aprender a viver sem a tutela do Estado. Veremos que as partes contratantes podem resolver disputas sem os custos, a morosidade e a imprevisibilidade da Justiça brasileira.
A idéia precisa ser difundida. É o que fará o Instituto Liberal de São Paulo no próximo dia 13, em seminário para discutir a nova lei, com apoio de várias organizações, incluindo esta Folha.
Em suma, as instituições do capitalismo estão sendo mais aceitas. Melhor para nós. É claro que há diferentes tipo de capitalismo. Mas isso já é outra história.

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