São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Peritos utilizam parâmetros polêmicos

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
DO ENVIADO AO LITORAL

"Um imóvel denominado 'Cachoeiro da Vargem Grande' ou 'Cachoeira Grande', no Sertão do Poruba, zona rural, com as seguintes confrontações e divisas: uma (1) légua de terras de testada, com treis mil (3.000) braças por duas (2) léguas de fundo..."
Esse é o teor de uma matrícula de propriedade elaborada por um cartório de registros em Ubatuba (litoral norte de São Paulo).
A imprecisão de escrituras é apenas um dos diversos problemas que fazem do litoral paulista uma completa confusão. E aparece de tudo, até título do tempo das capitanias hereditárias.
Criadas para garantir sobrevida aos 8% de Mata Atlântica que sobraram após quase 500 anos de civilização, as áreas de proteção ambiental, em região tão propícia, se transformaram em trampolim para pedidos de indenização.
Designados pela Justiça, peritos usam critérios bastante particulares para avaliar terras sujeitas a desapropriações.
Como o utilizado na ação em nome de Maria Aparecida Gontier, proprietária da fazenda Engenho D'Água, em Ilhabela.
A indenização, entre outras coisas, se refere ao valor que a requerente deixou de ganhar por não poder lotear a sua área.
Para calcular quanto custaria viabilizar um loteamento -esse valor é um custo a ser deduzido da indenização- o perito consultou a revista "Construção", especializada em engenharia civil.
A Procuradoria anexou ao processo uma declaração da editora da publicação, afirmando que o valor sugerido, pouco mais de R$ 8 mil por metro quadrado, era apenas "para referência, sobre áreas urbanas e planas".
Apesar de o terreno ter morros de declividade superior a 40%, onde um loteamento, se possível fosse, seria mais oneroso, o Tribunal acatou as contas do perito.
A cobertura vegetal também é levada em conta por esses especialistas, que utilizam dados de uma portaria do Ministério da Agricultura, datada de 1985, onde o metro cúbico da madeira de lei, nobre, vale de R$ 60 a R$ 70.
Consultado, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) estimou o valor da madeira encontrada na Serra do Mar entre R$ 7 e R$ 9.
E avaliou, ainda, que a perda na extração ficaria entre 50% e 55% -ou seja, o valor do metro cúbico cai para quase R$ 3.
Na maioria dos casos, todos esses critérios de avaliação são utilizados. Ou seja, soma-se o valor venal da terra com o da cobertura vegetal, com as perdas referentes a loteamentos e assim por diante.
E o total, por jurisprudência, é sobretaxado com juros compensatórios, ou seja, 1% ao mês desde 1977, data da criação dos parques. Gigantescos 240% se acumulado.
Em uma sentença de 1989, o juiz Adherbal dos Santos Acquati, de Ubatuba, qualificou uma ação de desapropriação indireta desse tipo como "cobrança de imposto sobre o ar que respiramos".
O Superior Tribunal de Justiça não foi tão sensível e reformou a sentença, obrigando o Estado a pagar indenização.
(JHM)

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