São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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O valor das verbas

JANIO DE FREITAS

A transferência, da Secretaria de Comunicação da Presidência para a Radiobrás, da administração de toda a publicidade e matérias-pagas de órgãos governamentais não é, como sugere seu ar ingênuo, medida apenas de reordenação administrativa: é uma ameaça potencial à liberdade dos jornais, TVs e revistas em relação ao projeto de reeleição.
O gasto do governo com publicidade e matérias-pagas em 95 foi estimado, no começo do ano, em R$ 350 a R$ 400 milhões. Estimativa era generosa com os cofres públicos e, mais ainda, com a opinião pública. Embora o governo não divulgue a quanto anda ou vai chegar o gasto, falemos, para não exagerar, em meio bilhão.
Várias trapalhadas, não só de ordem técnica e em diferentes setores do governo, levaram a concentrar as verbas sob a supervisão do embaixador Sergio Amaral, porta-voz da Presidência. Não houve, desde então, motivo justificável para que o controle da dinheirama saísse de suas mãos -e, se houvesse, Sergio Amaral é que devia sair do seu cargo no Planalto. Só por aí já se apresenta a existência de um motivo injustificável.
A utilidade não-publicitária das verbas ditas publicitárias não chega ao conhecimento da sociedade. Ou só chega muito raramente e de maneira incompleta. Um dos casos em que chegou a haver alguma notícia ilustra as dimensões do problema. Foi quando a publicidade e as matérias-pagas da Eletrobrás passaram a ser negadas aos meios de comunicação, sobretudo ao "Jornal do Brasil", que tivessem alguma divergência com o governo Geisel.
Era só, na época, a verba da Eletrobrás e suas filiadas, mas o suficiente para provocar muitos alinhamentos absolutos à ordem unida. Mesmo para a quase totalidade dos meios de comunicação de grande porte, as verbas governamentais são importante fonte de receita. Para os de porte médio e os menores, então, apresentam-se como elixir da vida.
Não se trata, agora, só das verbas da Eletrobrás e seus filhotes estatais. São todas as verbas de todo o governo que passam a ser distribuídas pelo presidente da Radiobrás, Maurílio Ferreira Lima. Ex-deputado federal, presenteado com uma estatal por ter sua reeleição recusada pelo eleitorado de Pernambuco. Talvez por isso, obcecado com reeleição. Tido como verdadeiro autor do projeto reeleitoral apresentado por outro pernambucano, Mendonça Filho, Ferreira Lima frequentou o noticiário, recentemente, por mandar imprimir e distribuir cartazes já de campanha eleitoral de Fernando Henrique para 98.
Ferreira Lima tem o mérito de usar reeleitoralmente seus recursos sem a menor discrição, às escâncaras mesmo. E quem não gostar que se queixe ao -não, não há a quem se queixar, porque o presidente da estatal está fazendo propaganda para o presidente que receberia a queixa. Não é à preferência por ação política às claras, porém, que se deve atribuir o tão extremado reeleitoralismo fernandista de Ferreira Lima. É mais sensato pensá-lo decorrente da dificuldade que, no meio político, é frequentemente ligada ao seu nome: a dificuldade de comportar-se com algum equilíbrio.
É para a utilização decidida por esse propagandista audacioso e por sua fixação que se transfere a dinheirama da publicidade e das matérias-pagas governamentais.

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