São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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As outras saídas para o Brasil, ainda

ALOYSIO BIONDI

Mesmo na Inglaterra da "Dama de Ferro", Margareth Thatcher, a privatização de empresas do governo foi feita de forma a repartir, entre toda a população, a riqueza representada pelas estatais -mesmo porque são patrimônio coletivo acumulado durante décadas.
Assim, por meio de facilidades variadas, metade da população adulta, coisa de 20 milhões de ingleses, comprou ações de estatais privatizadas. Há poucos dias, no Brasil, os jornais trouxeram inacreditável declaração de um porta-voz da Telebrás. Como milhões de brasileiros já têm ações da empresa, e de suas "filhas" nos Estados (Telesp, Telerj etc.), recebidas no passado quando o cidadão comprava uma linha ("aparelho") telefônica, a meta do governo agora é, nada mais nada menos, do que forçar a venda dessas ações.
O objetivo, disse o porta-voz, é reduzir o número de acionistas. Isto é: classe média e povo ficaram durante décadas com ações que eram "podres", porque as estatais do setor davam prejuízos ou lucros ridículos, em virtude do achatamento de tarifas. Agora, às vésperas da privatização, elas passam a dar lucros bilionários -e o governo força a sua venda ao mesmo tempo em que beneficia poucos grupos.
A invasão
Pode parecer um exagero usar a expressão "força". Não é. Há poucas semanas, uma cidadã brasileira de classe média enfrentou uma emergência financeira, e se dispôs a vender ações da Telebrás. Possuía um lote de cerca de 50 mil ações, das quais umas 12 mil recebidas quando da compra de dois aparelhos telefônicos, e outras 18 mil compradas no passado pelo marido, como investimento.
A cidadã desejava vender apenas parte das ações. Ao comparecer ao banco incumbido pelo governo de comprar esses papéis, teve uma surpresa que a deixou indignada. O banco dispunha de uma relação, fornecida pelo governo, com o total de ações que cada acionista da Telebrás possui (não apenas aquelas recebidas na compra de aparelhos, note-se). Para quê? A ordem do governo, explicou o funcionário que o atendeu, é comprar somente o lote total (50.000, no caso) das ações, isto é, forçar o investidor a desfazer-se de todas as ações.
Autoritarismo, invasão da privacidade do cidadão quanto aos seus investimentos. Privatização às avessas.
Mais ainda: o episódio e a revelação do porta-voz da Telebrás enquadram-se na análise iniciada por esta coluna no último domingo, "As outras saídas para o Brasil", comprovando que o governo Fernando Henrique Cardoso age de forma oposta ao governo dos outros países. É, portanto, mito essa história de que não há outros caminhos para o Brasil, como é mito que "a oposição não oferece alternativas". Elas existem. Basta olhar o resto do mundo. Até a privatização, aqui, é para concentrar renda.
Sempre às avessas
A reforma tributária igualmente foi feita às avessas, beneficiando os ricos e milionários. A reforma administrativa se baseia numa mentira: não há funcionários em excesso. A política industrial está destruindo empresas e empregos, o oposto do que ocorre nos EUA e Ásia.
Na área agrícola, EUA e Europa subsidiam e garantem a compra de safras. O governo FHC massacra os agricultores com a falta de crédito e falta de apoio na hora da colheita.
A reforma agrária? Ora, ora. Para este ano, o ministério deveria receber algo como R$ 700 milhões, ou cerca de R$ 60 milhões por mês. Reportagem recente desta Folha mostrou que até julho, em sete meses, foram liberados menos de R$ 30 milhões. No total. Coisa de R$ 4 milhões por mês, na média. Tudo às avessas.

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