São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Diabólica inversão

OSIRIS LOPES FILHO

Há um assunto tabu na órbita tributária. É a questão do sigilo bancário. As posições suscitadas são fantasiosas e radicais.
O fisco considera a quebra do sigilo fiscal como panacéia, a acabar com a possibilidade de evasão. A corrente contrária defende o sagrado direito de respeito à intimidade e privacidade do cidadão, como se o fisco fosse um "voyeur" viciado em bisbilhotar a hedionda nudez do sonegador.
Parecia haver impasse, eis que o projeto de lei encaminhado ao Congresso pelo Executivo, tratando de algumas alterações adicionais à legislação tributária, apresenta ao longo dos seus 80 artigos o mais poderoso, audacioso e eficaz instrumento para exigir Imposto de Renda com base em conta corrente bancária ou aplicação financeira.
Dispõe o art. 42 do projeto que constitui "omissão de receita ou de rendimentos os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto à instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações".
Se aprovado, tal dispositivo provocará significativa mudança dos hábitos dos depositantes e aplicadores de recursos. Terão de ter assentamentos, para sua segurança futura, onde registrem todas as suas movimentações financeiras, guardando organizadamente os documentos que comprovem a licitude tributária correspondente.
Está se abrindo mais um campo profissional aos contadores e biblioteconomistas, para registrar e organizar tanto papel.
Essa regra é exagerada. A inversão do ônus da prova, no caso, é diabólica, considerando-se que o prazo de decadência (direito de o fisco lançar o imposto) é de cinco anos.
Em realidade, esse prazo tende a se aproximar de sete anos, pois o seu início de contagem dá-se no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia se efetuar.
Uma renda obtida em 1996 terá o início do prazo de decadência contado a partir de 1º de janeiro de 1998, pois o exercício do lançamento é o de apresentação da declaração de ajuste: 1997.
Explicar ao fisco uma movimentação da conta corrente, ocorrida há mais de cinco anos, com documentos hábeis e idôneos, não vai ser tarefa fácil, para um universo de contribuintes desacostumado a tal exigência. É o "muda Brasil" do presidente FHC.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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