São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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A dor do feto dentro do útero

DA "NEW SCIENTIST"

Há um século, um dos debates menos conhecidos da biologia moderna chegava ao fim: se os humanos desenvolvem o sentido da audição dentro do útero da mãe ou nascem surdos e passam a ouvir nas primeiras semanas de vida.
A idéia de que os bebês nascem surdos está sepultada. Na última década, os cientistas se aproveitam do fato de que os fetos podem ouvir e usam ruídos como o de escovas de dentes elétricas, campainhas e temas musicais de novelas para provocar uma mexidinha nos futuros bebês, para fazer com que seus corações batam mais rápido ou para obter qualquer sinal de que o som foi percebido. Nada disso é controverso. Também não são contestadas as pesquisas que sugerem o desenvolvimento de um rudimentar sentido de paladar e de olfato ainda no útero. O mesmo não se pode dizer sobre a possibilidade de que o feto sinta dor.
Reflexo
A maioria dos médicos e cientistas diriam que os fetos simplesmente não têm as conexões nervosas ou a capacidade cerebral necessárias para sentir dor até o estágio final da gravidez -ou nem mesmo nesse momento. Mas alguns pesquisadores acreditam que é hora de repensar a questão.
Hoje em dia, os avanços da medicina tornam possível a vida de um bebê que nasceu prematuramente no sexto mês da gestação. Também são possíveis cirurgias que corrigem defeitos da criança dentro do útero da mãe. Esses avanços estão espalhando uma discussão que os oponentes do aborto não conseguiram suscitar dentro da comunidade científica: o que o feto sente?
O debate não se limita apenas à decisão de anestesiar ou não os fetos. A questão é saber que parte do cérebro está envolvida na interpretação da dor, quando começa o desenvolvimento da consciência e quais são seus estágios. A questão é complicada, pois os fetos não podem falar sobre o que sentem e suas reações podem ser interpretadas de maneira errada -elas podem ser puro reflexo.
Alguns pesquisadores mais radicais acreditam que o feto pode sentir dor desde a 13ª semana da gravidez. Os tradicionalistas dizem que a capacidade de sentir dor se desenvolve apenas depois do nascimento, junto com a memória e com a capacidade cognitiva. Entre os dois grupos estão aqueles para quem o cérebro e o sistema nervoso já estão suficientemente formados para interpretar a dor a partir da 25ª semana.
Aborto e dor
A questão da dor fetal é um cavalo de batalha das pessoas que se opõem ao aborto. Em setembro, uma lei que proibiria o aborto depois da 20ª semana de gravidez foi rejeitada pelo Congresso norte-americano. No Reino Unido e nos EUA, apenas 1,3% das gestações são interrompidas após esse estágio, mas os grupos antiaborto lembram que, para ser retirado do útero, um feto com cerca de cinco meses pode ser desmembrado ou ter seu crânio esmagado.
Vivette Glover, que estuda biologia e psicologia do estresse no Hospital Chelsea e Queen Charlotte, de Londres, é a favor da lei que permite o aborto. Mas a pesquisadora acha que o feto deve receber uma dose de anestésico em qualquer tipo de cirurgia ou procedimento que o envolva.
Anestesia fetal
Nick Fisck, que trabalha com Glover, está anestesiando fetos que precisam de transfusões de sangue. No procedimento, utilizado a partir da 19ª semana da gravidez, uma agulha atravessa a barriga da mãe e chega ao abdome do feto, região que nesse momento da gestação já é rica em fibras nervosas. Não se sabe se isso é doloroso ou não. Mas, depois que a agulha é injetada, observa-se na corrente sanguínea do feto um fluxo de substâncias associadas à dor e estresse em crianças e adultos.
O significado disso não é claro. O mesmo fluxo de substâncias é observado em adultos que não sentem dor ou desconforto. Mas foi isso que convenceu os pesquisadores a começar a anestesiar os fetos e bebês prematuros dos quais tratam. Há dez anos, recém-nascidos eram operados sem anestesia.
Maria Fitzgerald, neuroanatomista do University College, de Londres, especializada em dor, acha que muitas das reações observadas em fetos são simplesmente reflexos. Ela mostrou que bebês nascidos prematuramente na 26ª semana (seis meses e meio) têm reflexos mais rápidos do que os dos adultos. Mas isso não significa que esses bebês sejam necessariamente mais sensíveis à dor, diz a pesquisadora. Pode significar o contrário. Os reflexos exagerados seriam a maneira de um organismo que não sente dor proteger a si próprio contra um ataque.

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