São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Marketing

CARLOS HEITOR CONY

Haifa - Antes de atravessar o mar Vermelho, livrando seu povo do cativeiro do Egito, Moisés decidiu ouvir os marketeiros de seu tempo, gente entendida na política neoliberal de resultados. Juntou os melhores profissionais da classe, que já naquele tempo achava que política é promoção. Disse que precisava atravessar o mar Vermelho e iria, à frente de seu povo, construir uma enorme ponte que ligasse as duas margens.
Os entendidos fizeram cara feia. Nada de ponte, não haveria a tal criatividade que FHC, 2.600 anos depois, anda pedindo a seus ministros. Moisés concordou. Além de rotineira, a idéia da ponte era cara e demorada. Mas tinha uma alternativa: construir barcos que levariam o seu povo à Terra Prometida.
Mais uma vez o pessoal do marketing torceu a cara. Barcos? Era pior do que ponte, coisa velha. Além de não ser uma idéia criativa, era solução pouco moderna, desde os fenícios que os barcos eram veículos superados.
Moisés ia perdendo a paciência e perdeu mesmo. Deu um murro na mesa e perguntou: "Afinal, o que vocês querem que eu faça? Que eu mande as águas se separarem, formarem muralhas líquidas e fazer meu povo atravessar a pé enxuto o mar Vermelho?".
O pessoal delirou. O mais categorizado dos marketeiros, considerado o gênio da classe, exultou: "Isso, Moisés! Isso, sim, é uma solução criativa! Vai ser um estouro! Se você faz o seu pessoal atravessar a pé o mar Vermelho, eu lhe garanto duas páginas na Bíblia!".
Não foi aqui, nesta bela baía que abriga um dos portos mais ativos do Mediterrâneo, que ouvi essa história. Na verdade, ouvi-a em Acro, uma velha cidade fundada pelos cruzados que vieram libertar o Santo Sepulcro dos infiéis.
É uma cidade sem marketing. Árabes e judeus parecem que a escondem, lá sei por quê.
Olhada com atenção, tem ângulos da Perúgia medieval, vielas empedradas, formando labirintos absurdos, aqui e ali iluminados por uma praça ampla, onde penetra a luz de um mar impecavelmente azul.

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