São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Provão: no lugar certo, na hora errada

JOSÉ MARTINS FILHO

As resistências ao Exame Nacional de Cursos, o provão, que será deflagrado hoje pelo Ministério da Educação, não surpreendem tanto pelo conteúdo: desde há muito se sabe o que as universidades pensam a respeito. Mas impressionam pela unanimidade.
Embora separadas por diferenças por vezes notáveis, instituições privadas, confessionais e públicas parecem comungar da idéia de que o provão é um artefato destinado a produzir certo brilho, mas efeito efêmero -assim como um fogo de artifício. O ministério acusa as universidades de corporativismo. As universidades acham que o projeto não contempla as necessidades reais do ensino superior.
Que as universidades precisam ser avaliadas, isto ninguém nega. Já há, mesmo, alguns mecanismos para fazê-lo. Muitas universidades públicas têm se preocupado em avaliar-se em sua totalidade, valendo-se, para isso, inclusive, da participação de consultores externos.
A resistência ao provão não decorreria, então, de uma simples reação corporativa, mas de uma questão de princípios. E uma vez que essa resistência é generalizada, seria interessante ao governo (além de democrático) procurar saber que princípios seriam esses.
Em primeiro lugar, as escolas se ressentem da justa pressão exercida por seus alunos, que, às vésperas mesmo de se submeterem a exames finais, têm de preocupar-se com um teste de fim de curso com o qual não contavam e, pior, que pode vir a afetar seu futuro profissional já em si incerto.
Sintomaticamente, eles pressentem que, em vez de começar a avaliar as universidades pela via canônica, mais trabalhosa e de resultados mais longínquos, o governo resolveu conferir a eles o papel de "instrumento", mediante o qual lhe seria teoricamente possível aferir a qualidade do fabricante.
Mesmo considerando que as indústrias utilizam padrões de normatização que certificam a qualidade de seu produto final, é caso de perguntar por que, nesse caso, não utilizar métodos que efetivamente avaliem o produtor -as instituições, não os formandos-, como o próprio MEC faz tão adequadamente por meio da Capes, no que concerne aos programas de pós-graduação. A qualidade da formação conferida ao aluno poderia ser averiguada, antes, pela análise da adequação acadêmica do corpo docente, pelo número de mestres e doutores, pelo conteúdo curricular da escola, pela qualidade de suas instalações e de seus laboratórios, suas bibliotecas e até pelo desempenho dos ex-alunos no mercado de trabalho.
A esse respeito, uma argumentação muito pertinente dos formandos é que eles não têm culpa das eventuais deficiências das escolas que os graduaram, autorizadas, aliás, pelo próprio MEC.
Outra é que em torno da realidade do provão surja -há indícios de que já começou a surgir- uma indústria de cursinhos preparatórios que, tal como acontece com o vestibular de entrada, se dedicará a dissecar "ad nauseam" o exame do provão para vender sua resolução a quem possa comprar. Nesse caso, o provão não estaria medindo propriamente a qualidade das escolas, mas apenas a aptidão dos alunos (recém-adquirida ou não) para responder a determinadas questões.
Nada disso seria suficiente para negar ao provão a qualidade de "instrumento adicional para melhorar a educação brasileira", nas palavras do ministro Paulo Renato, se sua introdução viesse precedida não só de uma maior discussão, mas também de medidas saneadoras que dessem ao sistema a garantia de que, longe de estar sendo submetido a um exame clínico forçado -como se o doente fosse culpado pela doença-, está, isto sim, realizando um trabalho profundo e amplo em parceria com o ministério.
A unanimidade das resistências não é uma casualidade, pois, mas apenas a constatação de que o provão pode vir a ser uma excelente peça de avaliação, que a terra escolhida é apropriada para a semente, mas que a semeadura talvez tenha sido feita antes do tempo.

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