São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Varejo e imagem de marca

HÉLCIO EMERICH

No início da década de 90, quando a economia dos Estados Unidos vivia uma fase de funda e cava depressão, com altos índices de desemprego, o consumidor norte-americano se entregou a um novo esporte, o "pinch pennies", também conhecido como o jogo da pechincha.
Marcas tradicionais, solidamente estabelecidas no mercado, começaram a ver seus consumidores mandar a lealdade às favas e contar os centavos na compra de fraldas a geladeiras, de ketchup a computadores.
A preferência se desviava, obviamente, para aqueles produtos que escancaravam redução nos preços.
Foi um período de prosperidade para as "private labels", marcas genéricas, mais baratas, criadas pelas cadeias de lojas ou de supermercados para competir com os grandes símbolos nacionais do consumo.
De 1989 a 1993, a participação nas vendas a varejo das marcas privadas subiu de 11% para 14,5% e, para as grandes corporações, isso soava como uma espécie de roubo, já que investiam milhões de dólares em campanhas de propaganda para construir e consolidar suas imagens de marca.
O impacto dessa "tendência predatória" (na classificação dos grandes anunciantes) foi tamanho que, gigantes como a Philip Morris, Procter & Gambie e IBM, entre outros, não tiveram outra saída senão aderir.
Produtos com preços nacionais até então intocáveis como Marlboro, fraldas Pampers e os cosméticos Estée Lauder vieram a público para comunicar uma tesourada geral nos seus preços, variando entre 5% e 16% conforme a categoria do produto.
Hoje os marketeiros das grandes marcas norte-americanas discutem se o drástico recurso do corte valeu a pena.
Muitos não escondem o remorso por ter contribuído, num momento de pânico, para jogar suas marcas na vala comum do preço rebaixado, levando o consumidor a não distingui-las das imitações.
O incômodo aumenta quando se lembra da prudência de algumas marcas durante o arrastão. Foi o caso da Evian que, encarando centenas de concorrentes mais baratos, sustentou sua participação de 50% no mercado das águas minerais "premium" sem qualquer redução nos seus preços.
Ela preferiu reforçar sua campanha de propaganda, centrada na idéia de que uma água pura e natural é essencial para a saúde humana em qualquer estágio da vida.
Tudo isso me vem à cabeça quando vejo no mercado brasileiro marcas de prestígio atiradas na luta encarniçada do varejo e, pior, adotando a linguagem publicitária dos magazines Luiza da vida.
Claro que em tempo de recessão é preciso desovar estoques, mas é exatamente nos regimes de competição agressiva que o anunciante deve provar porque sua marca é relevante para o consumidor.
A guerra dos preços e das ofertas miraculosas nivela por baixo os atributos mais caros e diferenciadores da marca, que levaram décadas e custaram fortunas para serem estabelecidos e memorizados.
Ninguém vive de fabricar preços. Fabricam-se produtos, marcas, imagem.
Se o estupro do varejo é inevitável, que pelo menos as campanhas promocionais tenham alguma dose de inteligência, bom gosto e criatividade. Os consumidores saberão retribuir.

Helcio Emerich, é jornalista, publicitário e vice-presidente da agência Almap/BBDO.

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