São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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Só ensino pode abrir espaço nas rádios

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na pior das hipóteses, o ministro Francisco Weffort levantou a bola e a Folha entrou de sola na discussão: como abrir espaços para a chamada boa música popular brasileira nos veículos de comunicação, sobretudo nas rádios.
Entendo perfeitamente a angústia do ministro, que liga o rádio do seu carro e é bombardeado com o que ele chama de música estrangeira, mas, na verdade, é apenas bagulho, nacional ou importado.
E essa é uma das vertentes da questão: a qualidade do que vai ao ar, seja exibindo passaporte brasileiro, americano ou jamaicano, que o maestro Júlio Medaglia, em artigo nesta Folha do dia 11, regeu com extrema sensibilidade.
A outra é o famigerado mercado, o deus ex-machina que controla o ar que você respira e por onde flutuam as ondas de rádio. Sobre ambas, gostaria de prestar o testemunho de quem teve a pretensão de compatibilizá-las na prática.
No virada desta década, o destino me pôs à frente da Rádio Gazeta (AM e FM). Como o ministro, indignado pelo lixo musical que as emissoras me impingiam e convencido de que o mercado reservava uma parcela significativa de consumidores para a chamada boa MPB, resolvi criar uma programação para a AM que privilegiasse o que havia de mais requintado.
Já prevendo dificuldades com o mercado, subsidiei essa programação abrindo espaços na noite e madrugada (os horários menos nobres) aos programas evangélicos, fonte inesgotável de recursos.
Era o mesmo que acender uma vela ao diabo e outra a Deus. Mas que fazer? Não havia recursos para só investir numa programação de qualidade de cabo a rabo.
Pois bem: as manhãs reservei ao jornalismo. Às tardes, dá-lhe MPB, seguindo normas do mercado que indicavam a segmentação como fórmula mágica de sucesso.
Começava com programa apresentado pelo jornalista Moacyr Japiassu, que, com seu sotaque paraibano e seu humor cosmopolita, apresentava o fino do forró, de Hermeto Pascoal a Luiz Gonzaga -qualidade e mercado.
Na cola, o mais puro sertanejo -João Pacífico, Tonico e Tinoco-, sob o comando do extraordinário músico Passoca.
Em seguida, Moraes Sarmento com seu Revivendo. Só gravações originais da época de ouro (anos 30 e 40), rematizadas pela gravadora Revivendo.
Um programa destinado a uma faixa órfã, desprezada mesmo pela mídia eletrônica: a terceira idade, ou os velhinhos que ficam ao pé do rádio esperando uma esmola.
Completando a programação, Arrigo Barnabé, apresentando nossa vanguarda. E, encerrando, este mesmo que vos fala, com músicas de final de tarde, de Dick Farney a Marisa Monte.
Resultado: o mercado virou as costas ostensivamente e a programação morreu de inanição. Nem os milionários evangélicos puderam subsidiá-la, embora o custo fosse baixíssimo.
Resumindo: no Brasil radiofônico (e televisivo), não há mercado. Há o Ibope, o cofre forte de todas as verbas publicitárias. E, no Brasil real, qualidade não dá Ibope, a não ser na TV, onde a Globo deu um salto qualitativo, antes de se estabelecer o monopólio da verificação de audiência.
Portanto, se o ministro quiser ouvir no rádio do carro música brasileira de boa qualidade, das duas uma: ou terá de esperar que o brasileiro adquira o pleno direito à cidadania através de um ensino de altíssimo nível, o que lhe refinará o gosto e a exigência, ou terá de se contrapor ao mercado, investindo no patrocínio de programações de qualidade nas rádios.
O resto é conversa fiada.

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